Geral

A Musa Enferma

Ó minha musa, então! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mal, visão cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristão, ritmado, te pulsara

_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Marqueza de Alegrete, quando lhe nasceo huma Filha_.

Senhora, he couza sabida,
Que aos Deozes não são vedados
Os escondidos segredos
Do escuro livro dos Fados;

E pois que em tempos antigos
Já tive alguma valia
Co'aquelle, a quem coube em forte
O governo da Poezia;

Não esperando do Tempo
O vagarozo progresso,
E desejando augurar-vos
O vosso feliz successo;

Na raiz do alto Parnazo,
Curvando o humilde joelho,
Exclamei = Se aqui se escutão
Votos de hum Poeta velho,

*Abandonado!*

      Uma fita prendi côr de saphira
      No leve, tenue pé d'uma andorinha;
      Este anno regressou a pobresinha
      E junto ao ninho seu constante gira.

      Quando o sol no horisonte se retira
      Esvoaça em redor de mim sósinha;
      Tambem esta alma, soffrega, mesquinha
      Por ti enfeitiçada geme, expira.

      Ella na espuma branca, qual arminho
      Foge no mar á raiva dos açores
      Não perdendo a lembrança do seu ninho

Minha Boêmia (Fantasia)

Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos;
Meu paletó também tornava-se ideal;
Sob o céu, Musa! Eu fui teu súdito leal;
Puxa vida! A sonhar amores destemidos!

O meu único par de calças tinha furos.
- Pequeno Polegar do sonho ao meu redor
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.
- Os meus astros nos céus rangem frêmitos puros.

Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,
Nas noites de setembro, onde senti tal vinho
O orvalho a rorejar-me as fronte em comoção;

Nervos D'Oiro

Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n'alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!

Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!

O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mão,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!

Falo de Ti às Pedras das Estradas

Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

Anoiteceu.--Nos claustros resoando

Anoiteceu.--Nos claustros resoando
As pisadas dos monges ouço: eis entram;
Eis se curvaram para o chão, beijando
O pavimento, a pedra. Oh sim, beijae-a!
Igual vos cubrirá a cinza um dia,
Talvez em breve--e a mim. Consolo ao morto
É a pedra do tumulo. Sê-lo-hia
Mais, se do justo só a herança fòra;
Mas tambem ao malvado é dada a campa.

O LAGO

      Scismava um dia na cruel sentença
      Com que a Egreja fulmina a raça humana,
      Deixando impura a fonte d'onde emana
      O sangue que me anima, e a alma que pensa:

      E ao passarem no ceu do meu destino
      As nuvens da tristeza e da saudade,
      Revellou-me o Senhor alta verdade,
      Junto ás margens d'um lago crystalino!

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