Geral

REFUGIO ULTIMO!

Deixa, Senhor, do mundo em que eu habito
                  A ti meu ser se evol'!...
      Tem jus aos ceus quem mede esse infinito
                  Que vae de sol a sol!...

      Sonhei na terra, amando-a muito e muito,
                  Novo Deus, nova lei;
      Mas foi, pura illusão, baldado intuito,
                  Comtigo só me achei!...

Teus Olhos

Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas..
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha... catedrais eternas...

Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado

Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razão da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:

Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que só nesta caverna encontro abrigo,
Porque não busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?

Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!

Lyrica chineza

I

Lembra-me a hastea comprida
Dos lyrios brancos em flôr,
A elegancia apetecida
Do seu corpo tentador.

II

Da sua côr singular
Dá uma ideia leve
A pallidez do luar,
Batendo um floco de neve.

III

Nem o breu, nem o carvão,
Nem a noite sem estrellas,
Têm a densa escuridão
Das suas tranças tão bellas.

IV

A sua bocca, a sorrir,
Quando mostra os alvos dentes,
Lembra perolas d'Ophir
Entre dois rubís fundentes.

V

Ó vultos ideaes, fantasticos e bellos...

Ó vultos ideaes, fantasticos e bellos,
Que ás vezes revoaes nas salas deslumbrantes,
N'um grande mar de tulle, ethereas, fluctuantes.
Aos suspiros fataes dos meigos violoncellos;

Que bom que era sonhar nos pallidos castellos,
Á noite, á beira mar, nas solidões distantes,
Nos tempos em que a flôr dos timidos amantes
Á lua confiava os intimos anhelos!...

Agora sois gentis, despepticas, vistosas;
Pagaes por alto preço as exquisitas rosas;
Nos rapidos wagons correis o mundo em roda;

RESIGNAÇÃO

«No teu seio reclinado
Dormirei, Senhor, um dia,
Quando for na terra fria
Meu repouso procurar;

Quando a lousa do sepulchro
Sohre mim tiver cahido
E este espirito affligido
Vir a tua luz brilhar!

No teu seio, de pesares
O existir não se entretece;
Lá eterno o amor florece;
Lá florece eterna paz:

Lá bramir juncto ao poeta
Não irão paixões e dores,
Vãos desejos, vãos temores
Do desterro em que elle jaz.

Taciturno

Há Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais -
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.

No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d'Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.

*DISPUTA*

Voltaire dando com o pé n'uma caveira, ria
Com certo riso mau, sinistro e mofador;
--A velha companheira, então, da Theologia
Dos santos e da Cruz bradou ao pensador:

--És tu impio Voltaire, ó verme roedor
Das folhas do Evangelho! ó Satan da ironia!
Cujos risos crueis fazem chorar Maria,
E despregam do lenho a ensanguentada flor!?

Tu tens lançado o cuspo aos astros lancinantes;
Abalado da Cruz os cravos vacillantes;
E ladrado de Deus que julgas a dormir!...

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