o tumulto abrangente
Autor: António Tê Santos on Saturday, 5 October 2024morremos em vida quando nos impõem uma sociedade sem ordem e sem brilho; sem os claustros onde se reza contra a desventura; sem os perspicazes versos dos trovadores.
morremos em vida quando nos impõem uma sociedade sem ordem e sem brilho; sem os claustros onde se reza contra a desventura; sem os perspicazes versos dos trovadores.
interpreto os meus bailados através de versos que menosprezam as dádivas mundanas e as suas celebradas tradições; através de conceitos transcendentes que revogam as minhas supérfluas agonias; através de quimeras que imponho à rotina das pessoas.
desdobro a minha existência em múltiplas fases: as lágrimas emergem do inicial estatuto de sofredor; a perseverança desagua numa pose austera que gera introspeção; as palestras versam a sublime liberdade.
analiso as estaladas que sofri para perceber a sua influência no meu temperamento; na minha postura intelectual; nos vestígios da minha ambição; nos relatos que enxergam o clarão da poesia.
o pudor que se concentra nas minhas atitudes tem o cunho dum adulto que oculta as suas emoções agrestes; que repuxa o seu antigo frenesim para lhe legar os versos que o fazem despertar; que regenera o ar que inspira nos subterrâneos do seu ócio.
o sucesso penitencia a alma quando lhe implanta os rótulos deteriorados do mundanismo; quando se compraz em rebaixar nas suas aleivosas incursões; quando transfere para a sociedade as máculas envernizadas duma triunfal ascensão.
analiso os meus desaires emocionais quando integro na alma os poemas sinceros que vou redigindo: quando os seus versos incidem na futilidade das afeições; quando eles espairecem nas ondas perfumadas da razão.
a conduta que me convém para lutar contra a malignidade envolvente transgride os ditames sociais: apaga as mensagens corruptas que transportam o sofrimento; dissipa as nódoas que ostenta a camiseta da liberdade.
o meu mérito prescreveu quando a turba me abordou com intentos aleivosos; o meu orgulho foi rebaixado durante as dolorosas peripécias da minha mocidade; os meus poemas expeliram os ambientes corrompidos onde a minha vida se diluiu.
o recreio onde gracejam as palavras; onde as ideias se desdobram em recados cristalinos; onde as sementes da poesia removem a malignidade; onde a vida tem mais sabor porque resulta dum oásis premeditado.