Meditação

Impossível Voar

Impossível voar, nem mesmo um simples planar Decerto que estou dormindo, na cama a sonhar Mas a vertigem é real, o abismo a meus pés, brutal Basta um pequeno passo, muitos minutos em queda fugida Pois e se eu não estiver a sonhar, seu perder a minha vida Não vale a pena arriscar Uma morte tão sofrida Mas mais uma vez uma grande tentação Toma a vez da cuidadosa razão Ergo o rosto com altivez Esperando o regresso da sensatez Tal como tudo na vida este desafio é fascinante Tem a sua parte de brilho mas também é escuro e errante Poderei então arriscar? Serei capaz de voar?

Paz

Preciso ver o sol

Para ver que a terra não gira em torno de mim

Não há repreensão 

O mundo todo é assim

Afinal, a terra não gira

Ela pulsa como o coração do amante desatento

Ela escorre como a lágrima fugaz

Ela troça-nos como o velho chistoso

Eu quero ver a terra girando em torno do sol

Eu quero ver o mundo correndo atrás do vento

Eu quero ver o tempo, fútil, andando em desalento

E que as nossas vidas tenham mais segredos

E que os nossos segredos tenham mais mistérios

em mim

Suspendi o tempo que me pousou nas mãos

Ave livre sem destino nem porvir

Olhei nas águas lavradas do rio

O desassossego que me habita nos olhos

E sorri

Do peito brotaram-me flores em cacho

Com cheiro a terra e a musgo

Com cores que envergonharam o arco-íris

Estendi-me, dolente

Nas margens deste rio calado

E esperei a lua

Lânguida

Foi meu o mundo todo num momento

Em que desbravei um peito a arder

Senti-me em mim

De volta

E a minha gargalhada

Poema da página em branco

* * * *

Fito desolado o papel em branco...
Sem nada para ver,
Sem nada para sentir…

É duro querer escrever
E a palavra recusar-se a sair!...

Em abono da verdade,
Até a caneta parece estar sem vontade
De acorrer ao apelo do papel.

O cérebro não está cá
E todos os meus sentidos
Estão como que entorpecidos.

A boca áspera sabe a fel
E as pernas estão dormentes,
De tanto esperarem nada.

Até a música me deixa indiferente
Nesta tarde gentia,
Danada
De fria!

Se de nós o tudo sabemos tão pouco

«Se de nós o tudo sabemos tão pouco
Se dos outros o nada é tão feroz
Se da Vida queremos tanta Luz
Amar é sempre este risco
Esta intensa incerteza
De nunca saber os tons reais
Do fosco baço
Do entre-estar e Ser»

(RMP,
in Um Amor que vence Chronos)

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