poemas da razão
Autor: António Tê Santos on Thursday, 28 July 2022burilo os meus versos quando junto ao prazer de redigir as fráguas espalhadas pelas constrangidas sendas juvenis ou quando desloco do meu horizonte a trivial natureza humana.
burilo os meus versos quando junto ao prazer de redigir as fráguas espalhadas pelas constrangidas sendas juvenis ou quando desloco do meu horizonte a trivial natureza humana.
a ânsia de derreter o gelo que se instala nos lugares onde progridem tantas guerrilhas torpes; de retirar do mundo a sua humanidade pungente para a cuspir no oceano da hipocrisia; de estraçalhar a tela anuviada pelas nossas ilusões.
há figurações que cicatrizam os nossos tormentos; há uma desenvoltura que proporciona as nossas investidas contra tudo aquilo que nos sobressalta; há um território neutro onde realizamos os nossos ideais.
há gente que acalenta rumores com eloquência; que discursa com ênfase sobre a impiedade dos homens e sobre os seus modos presunçosos; que gera reflexões corrompidas pelas disputas sobre a famigerada virtude.
conduzo a minha existência até à tribuna da poesia: aí refuto os espaventosos trilhos da ignorância quando desaguo na alma coletiva fazendo emergir os seus sofrimentos e as suas venerações.
possuo firmeza em todas as matérias que derivam do meu juízo na ousada missão de observar a sociedade: o meu barco resistiu ao oceano turbulento da desventura e baseia-se agora num cais inundado pela poesia.
1.
não recuso dia algum
nem sua ação adiada
somos da mesma lâmpada
e dela não me afasto
2.
por nada me desaprova
o que me circunda
e se não me aprouver seu fastio
deponho o fardo dos sentidos
3.
não nego e não me envergo
com a ciranda dos passos
mas contorno a cilada do chão
sem temer sua cisão
4.
e como uma pedra rasante
tangendo a superfície do orvalho
transporto na sede do vento
vestir com luvas circunspectas
os gestos repletos de ruivos rubis
das mãos partidas e esquecidas
no eco das dunas
como um retrato autorizado
por uma decisão do fotógrafo
-ah essa pane das luzes!
no claro/escuro da idade
sem o beneplácito da história...
mas nem por isso
serei bússola sem coreografia
a percorrer meus calcanhares
como asas de pombos eternos
(bicando grãos e aprovação)
que só se mantém
-vastos e vivos
por conta de sua estrutura
absorvo os benefícios da minha progressão quando me liberto dos desenganos; quando me esquivo ao aguaceiro das minhas perturbações; quando disseco a vida através dos meus afazeres criativos.
estabeleço-me num eremitério onde robusteço os vocábulos oriundos da minha imaginação; onde desprendo do raciocínio algumas meditações consistentes; onde abdico da dolorosa máscara mundana.