Mataram os passarinhos de Deus

Corpo Vivo (1962) é um instigante romance regional do escritor baiano Adonias Filho, que me causou grande impressão. Assim sendo, compus estes versos (em 1990) baseado no enredo, extraindo os ápices da trama que se desenrola no insólito sertão do sul da Bahia. 

Compartilho com os amigos. Apreciem e se gostarem, comentem. 

 

sem regresso aqui

AGORA
que partis-te a explorar o deserto e eu fiquei só
AGORA
que partis-te em procura do rapaz de preto
Sento-me
neste quarto
onde só
me restam paredes,
e oiço o tráfego
lá fora
O teu fantasma
imagem de um outro tempo
persegue-me por todos os lados
Deixa-me num sono profundo
Deixa-me
para poder escrever poesia
e libertar as pessoas dos seus limites
Já agora

Derradeiro

Num abraço de amor próprio subiu ao monte das recordaçoes
e no ultimo esforço transportou em si toda a sua vida
no fim da viagem perdida sentou-se na alma das emoções
encostou-se  à solidão  e viveu a angustia da despedida

inspirou devagar, saboreou o ar  e sentiu o cheiro dos antepassados
num gesto de caridade a brisa passou e saudou na despedida
sorriu em si, tombou o peso sobre os passos já dados
limpou os olhos e nas maos tomou o seu corpo de partida

Incógnitas

Serão as tuas lanternas
Os mais luzentes faróis
Iluminando os meus sóis?

Serão os teus lábios
Um doce pudim de alegria
Na minha albergaria?

Serão os teus bastões
Nos meus botões
Brasas ao rubro?

Serão os teus espirros
Nos meus ouvidos suspiros
De altiva memoria?

Serão as tuas labaredas
Em mim apagadas
Num banho de espumante?

Serão as tuas paixões
Bombons derretendo lentamente
E no fim violentamente?

Ninguém Chora da Prisão

Ninguém Chora da Prisão

Um dia eu tive amigos, um dia eu fui criança feliz indo pra escola. Minha professora era linda. Houve um tempo que eu lia livros e tinha carteira de identidade. Lembro que tinha uma casa onde eu morava, meus irmãos sorriam pra mim e falavam comigo. Eu era eu num tempo atrás, mas veio um tempo de desespero, um tempo de descobertas, um tempo de más companhias. Hoje eu não sou ninguém, ninguém me vê, ninguém sabe de mim, ninguém me manda cartas, ninguém pergunta o meu nome, ninguém quer saber por que eu estou aqui.

tempo

Fim de tarde
um dia ido
A cascata do tempo não pára
desfile
lento desfile de uma vida apressada.
A noite cai lá fora
na mesa,
no meio da quieta agitação dos livros
a escuridão é ainda maior.
Silencioso
entrego-me ao “saber “
Respiro o desespero
Ambiciono parar o tempo
e partir
para lado algum
Deixo-me vaguear
por entre a escuridão

A VALSA DAS FLORES III – E SE VALSA A NATUREZA

O vento dança alegremente como dança a luz solar
Pelos veios dessa terra pelas ondas desse mar
Onde haja alguma flor que saiba bem como valsar
Espalhando o seu perfume pelo vento e pelo ar
 
Cada passo se bem dado deixa marcas nesse chão
E reflete em toda vida a nobre luz de sua paixão
Conseguindo um novo aroma que embriaga ao coração
E que se perde nas batidas dessa mais nova canção
 
É que na valsa das flores
O sol sempre há de brilhar

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