Ontem o pregador de verdades dele
Autor: Alberto Caeiro on Tuesday, 1 January 2013
Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que trabalham
Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que trabalham
Nenhum de vós ao certo me conhece, Astros do espaço, ramos do arvoredo, Nenhum adivinhou o meu segredo, Nenhum interpretou a minha prece... Ninguem sabe quem sou... e mais, parece Que ha dez mil annos já, neste degredo, Me vê passar o mar, vê-me o rochedo E me contempla a aurora que alvorece... Sou um parto da Terra monstruoso; Do humus primitivo e tenebroso Geração casual, sem pae nem mãe... Mixto infeliz de trevas e de brilho, Sou talvez Satanaz;--talvez um filho Bastardo de Jehová;--talvez ninguem!
A Beleza tem tanto de misteriosa, como de terrível. Deus e o diabo estão lutando lá, e o campo de batalha é o coração do homem.
Eu vi a luz em um paiz perdido. A minha alma é languida e inerme. Oh! Quem podesse deslisar sem ruido! No chão sumir-se, como faz um verme...
Em St. Maurice (aqui perto) ha um convento
De Franciscanos. Fui-me lá ha dias.
Quando eu entrei, tocava a Avè-Marias.
Iam ceiar. Fóra mugia o vento.
Um pallido Christo, ao fundo da sala,
Espalha em redor seu alvo clarão;
E, quando se reflecte a Cruz pelo chão,
Os frades ingenuos não ousam pisal-a.
«Meu irmão...» disseram, ao verem-me á porta.
Vontade, Senhor, tive eu de chorar!
Tão só me sentia, pela noite morta...
Onde há amor há vida.