Vamos apreciar sem vertigem...
Autor: Rimbaud on Monday, 26 November 2012Vamos apreciar sem vertigem o tamanho de minha inocência.
Vamos apreciar sem vertigem o tamanho de minha inocência.
Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!
Não vejo nada, tudo é morto e vago...
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho...
Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!...
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;
Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.
Eu me arrependo; a língua quasi fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:
Estrellas que rolaes no espaço ethereo
N'um vertice de luz vertiginoso,
E em numero sem conta e sem repouso,
De Deus cumpris altissimo mysterio!
E vós flôres gentis, purpureas rosas,
Roxas violetas, candidas boninas,
Que abris, tomando formas peregrinas,
Á luz do Sol as petalas mimosas:
Commigo erguendo a vóz
Ao throno da Verdade,
Saudae a Humanidade,
Que é mãe de todos nós!
(A ALBERTO REGO)
I
Doce era a voz do velho: o som do Nablo
Sonoro: o céu sereno: clara a terra
Pelo brando fulgor do astro da noite:
E o propheta parou. Erguidos tinha
Os olhos para o céu, onde buscava
Um raio de esperança e de conforto:
E elle calára já, e ainda os ecchos,
Entre as ruinas sussurrando, ao longe
Íam os sons levar de seus queixumes.
Não ha quem endoide as moças
Como os olhos d'um doutor.
(_Cantiga coimbrã_).
Houve na aldeia viva sensação
Ao regressar o filho do morgado,
Que fôra para Coimbra de calção
E vinha agora bacharel formado.
Vae longe, olé, bradava o vozeirão
Do abbade. É só fazel-o deputado.
E as moças entre si: Que rapagão!...
... Doutor, tão novo... Deus seja louvado...
Chegou a casa e n'esse mesmo dia,
Foi visitar radioso de alegria
A filha da velhota que o creou.
Eu quizera depois das lutas acabadas,
Na paz dos vegetaes adormecer um dia
E nunca mais volver da santa lethargia,
Meu corpo dando em pasto ás plantas delicadas!
Seria bello ouvir nas moutas perfumadas,
Emquanto a mesma seiva em mim tambem corria,
As sãas vegetações, em intima harmonia,
Aos troncos enlaçando as lividas ossadas!
Ó belleza fatal que ha tanto tempo gabo:
Se eu volvesse depois feito em jasmins do Cabo,
--Gentil metamorphose em que n'esta hora penso;--
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade
(De Catullo Mendés)
O Budha scisma, as mãos sobre os artelhos.
Aquelle então que ouvira os seus conselhos
Diz:--Mestre! os que não foram resgatados
Do Mal, são como uns ceus anuviados!
Aos povos que d'aqui moram distantes,
Para que a Lei não errem, ignorantes,
Consente que affrontando os soes e os frios,
Montes, rochas, passando a nado os rios,
Teu grande dogma, ó Mestre, eu vá prégando!...
--Mas se elles, corta o Budha venerando,
Te insultarem, eleito! que dirás?