A poesia não voltará a ritmar a ação...
Autor: Rimbaud on Wednesday, 12 December 2012A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la.
A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la.
Sua buzina tocára
	  O conde, altivo senhor:
	  «De pé, de cavallo, álerta!--
	  Disse; e monta o corredor.
	O nobre animal relincha:
	  Pula e parte; e a turba após.
	  Ei-los vão! Quem era o conde?
	  Era o _caçador feroz_.
	Por estevaes e por sarças,
	  Por campinas cultivadas,
	  Voam rapidos. Resoam
	  Motejos, gritos, risadas.
	O sol que vinha rompendo
	  Em luz as veigas banhava,
	  E do zimborio do templo
	  O lanternim scintillava.
	«_Tlim, tlão!_--convocando á missa,
Eu deliro, Gertrúria, eu desespero
	No inferno de suspeitas e temores.
	Eu da morte as angústias e os horrores
	Por mil vezes sem morrer tolero.
	Pelo Céu, por teus olhos te assevero
	Que ferve esta alma em cândidos amores;
	Longe o prazer de ilícitos favores!
	Quero o teu coração, mais nada quero.
	Ah! não sejas também qual é comigo
	A cega divindade, a Sorte dura.
	A vária Deusa, que me nega abrigo!
	Tudo perdi: mas valha-me a ternura
	Amor me valha, e pague-me contigo
	Os roubos que me faz a má ventura.
Vem, meu ginete: oh vem, meu nobre amigo!
	Chama-te em altos sons tuba do norte.
	Prestes no saque, intrepido nas brigas,
	Dá, guiado por mim, asas á morte.
	Os teus jaezes não arreia o ouro;
	Mas de meus feitos o terás em paga.
	Meu ginete fiel, rincha orgulhoso,
	E os reis e os povos com teus pés esmaga.
	Tuas rédeas me entrega a paz que foge.
	Ei-los por terra os europeus baluartes!
	Meus aureos sonhos realisa agora;
	Terás repouso na mansão das artes.
Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
	Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
	Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
	Que a tempestade os leve aonde for!
	Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
	Que volte ao nada o nada de um momento!
	Julguei-me grande pelo sentimento,
	E pelo orgulho ainda sou maior!...
	Tanto verso já disse o que eu sonhei!
	Tantos penaram já o que eu penei!
	Asas que passam, todo o mundo as sente...
    O sol na marcha luminosa vôa
	    Lançando á terra magestoso olhar;
	    Passa cantando quem o ar povôa
	    E a praia abraça venturoso o mar.
	    No bosque o vento dôce canto entôa,
	    Ouvem-se em côro as multidões cantar;
	    Que a um só triste o coração lhe dôa,
	    Que eu seja o unico a soffrer, chorar...
	    Por ti, saudade... de quem vai tão perto
	    E a quem dos olhos e das mãos perdi
	    N'este tão ermo lugubre deserto!
Bradava um dia ao Christo, ao Redemptor,
	Satan, cançado d'insultar os astros:
	--Eis-te pendido ahi qual velha flor,
	Propheta escarnecido nos teus rastros!...
	Vê como a Egreja vae! baixel sem mastros!
	Navio roto em mares do Equador!
	E os seus padres tem ouros e alabastros,
	E folga, Messalina sem pudor!
	Tem lançado teu corpo aos cães e aos corvos!
	Falsificado a Lei, cheia d'estorvos,
	E fogueiras erguido, ó Christo! ó Cruz!...
Quando ella passa á minha porta,
	Magra, livida, quazi morta,
	E vae até á beira-mar,
	Labios brancos, olhos pizados:
	Meu coração dobra a finados,
	Meu coração poe-se a chorar...
	Perpassa leve como a folha,
	E suspirando, ás vezes, olha
	Para as gaivotas, para o Ar:
	E, assim, as suas pupillas negras
	Parecem duas toutinegras,
	Tentando as azas para voar!