Leve, leve, muito leve
Autor: Alberto Caeiro on Tuesday, 11 December 2012
Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
(A ALBERTO SILVA)
	«Luctar, luctar!» dizeis-me vós. «A lucta
	É inherente á propria natureza»,
	Mas qual é a victoria absoluta
	N'esta guerra sem treguas, sempre accesa!
	Hája quem venha á barra, quem discuta
	E me combata e dome esta incerteza.
	Sinto a minha alma inerme, irresoluta,
	Cheia de abatimento e de fraqueza.
	Eu luctaria com denodo, sim,
	Se á lucta visse um terminus, um fim;
	Mas qual de vós que ha tanto batalhaes
Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.
Ao Prof Guido Battelli
	Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
	A planície é um brasido... e, torturadas,
	As árvores sangrentas, revoltadas,
	Gritam a Deus a bênção duma fonte!
	E quando, manhã alta, o sol posponte
	A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
	Esfíngicas, recortam desgrenhadas
	Os trágicos perfis no horizonte!
	Árvores! Corações, almas que choram,
	Almas iguais à minha, almas que imploram
	Em vão remédio para tanta mágoa!
Sua alteza real o pequenino infante
	Matou, d'um tiro só, dois gamos na carreira:
	Um hymno mais ao céo, pois era a vez primeira
	Que sua alteza vinha á diversão galante!
	Ó vergontea gentil! quando um tropel distante
	De subito acordar os echos da clareira
	E uma preza cansada, em rolos de poeira,
	Varada, a vossos pés, caír agonisante,
	Acercai-vos então da pobre fera exangue
	Que estrebuxa de dôr n'um mar de lama e sangue
	Sem que um grito de dó nos corações acorde!
Raios não peço ao Criador do mundo,
	Tormentas não suplico ao rei dos mares,
	Vulcões à terra, furacões aos ares,
	Negros monstros ao báratro profundo:
	Não rogo ao deus do Amor, que furibundo
	Te arremesse do pé de seus altares;
	Ou que a peste mortal voe a teus lares,
	E murche o teu semblante rubicundo:
	Nada imploroem teu dano, ainda que os laços
	Urdidos pela fé, com vil mudança
	Fizeste, ingrata Nise, em mil pedaços:
I.
Escrito em 21-5-1917.
Leram-me hoje S. Francisco de Assis.
Leram-me e pasmei.
Ditado pelo poeta no dia da sua morte (1920?).
É talvez o último dia da minha vida.
De Julio Forni
	Hãode dizer-me--Insensatos!
	Que tenha novos amores,
	Que brilham já outros soes,
	De novo se abrem as flores
	E é o tempo dos rouxinoes.
	E dirão inda depois:
	Que a primavera começa,
	E andam aromas no ar,
	Que nos sobem á cabeça,
	Como um vinho singular.
	E eu dir-lhes-hei: Que m'importa!
	Faz frio, fechem-me a porta!
	--Ella, o meu bem, meu abrigo,
	Levou, desde que está morta,
	A Primavera comsigo!