DESENGANO
Autor: Soares de Passos on Saturday, 8 December 2012
Podem dizer talvez que ella não tem
	As fórmas peregrinas, delicadas,
	Das cortezãs de peito de cecem
	Que vão á noite aos bailes, decotadas.
	Podem dizer talvez, e dizem bem,
	Que ás suas faces tumidas, rosadas,
	Falta a côr macilenta que convém
	Ás virgens dos sonetos e balladas.
	Á elegancia doente e vaporosa
	Eu prefiro, comtudo, a fórma airosa
	Do seu corpo gentil de mulher sã;
	Por isso adoro e préso mais que tudo
	Os seus olhos dolentes de velludo,
	Os seus labios vermelhos de romã.
A Bourbon e Meneses
	Tenho pena de tudo quanto lida
	Neste mundo, de tudo quanto sente,
	Daquele a quem mentiram, de quem mente,
	Dos que andam pés descalços pela vida,
	Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
	Olhando os céus ignotos frente a frente,
	Dos que não são iguais à outra gente,
	E dos que se ensangüentam na subida!
	Tenho pena de mim... pena de ti...
	De não beijar o riso duma estrela...
	Pena dessa má hora em que nasci...
Oh retrato da morte, oh noite amiga
	Por cuja escuridão suspiro há tanto!
	Calada testemunha do meu pranto,
	Des meus desgostos secretária antiga!
	Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
	Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
	Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
	Dorme a cruel, que a delirar me obriga:
	E vós, oh cortesãos da escuridade,
	Fantasmas vagos, mochos piadores,
	Inimigos, como eu, da claridade!
Heroes da gargalhada, ó nobres saltimbancos,
	Eu gosto do vossês,
	Por que amo as expansões dos grandes rizos francos
	E os gestos d'entremez,
	E prezo, sobretudo, as grandes ironias
	Das farças joviaes,
	Que em visagens crueis, imperturbaveis, frias,
	Á turba arremeçaes!
	Alegres histriões dos circos e das praças,
	Oh, sim, gosto de os ver
	Nas grandes contorsões, a rir, a dizer graças
	Do povo enlouquecer,
Quando o Senhor envia
	O trovador ao mundo,
	Faz devorar a essa alma
	Fel amargoso e immundo;
	Porque lhe diz:--Poeta,
	Vai conhecer a terra;
	Prova dos seus deleites;
	Prova do mal que encerra.
	Desses e deste esgota
	As taças muitas vezes,
	Embora de uma e d'outra
	Aches no fundo fézes:
	E quando bem souberes
	Que tudo é sonho vão;
	Que é nada a dor e o goso,
	Sólta o teu hymno então.»
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Archanjo vae-te embora: é tarde: em nossas casas
	Talvez alguem se afflija; é tão deserta a rua!...
	Tu deves sentir frio! Embuça-te nas asas;
	Dá saudades á lua.
	Um beijo em cada estrella!... Espera que eu sou louco!
	Sonhei devo pagar: perdão anjo dos céos!
	Agora tem cuidado; o céo escorrega um pouco:
	Boas noites adeus!
Hontem dormia á noute--e, eis que desperto
	Sacudido d'um vento agudo e forte,
	Como um homem tocado pela Morte,
	Ou varrido d'um vento do deserto.
	Accordei--era Deus, que de mim perto,
	Me dizia: Alma sceptica e sem norte!
	É preciso que creias e te importe
	Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!
	É preciso que a fé cresça em tua alma
	Como no inutil saibro a verde palma,
	Verme! filho da Duvida--Eis-me aqui!