_A huma Preta, que pertendia que a obsequiassem_.

Domingas, debalde queres,
Nesse canto da Cozinha,
Vencer a invencivel teima
Da rebelde carapinha;

Em vão te arripia a frente,
De que zomba o Deos de Amor,
Alvo côto de pomada,
Furtado do Toucador;

Debalde tufado laço
De atadeira fitta Ingleza
Te assombra a lêveda pôpa,
Rissada por natureza.

Debalde altêas as ancas,
Esguias, e enganadoras,
Co'as velhas algibeirinhas,
Que vão deixando as Senhoras,

_Offerecendo hum Perum em caza, aonde todos os Domingos davão ao A. este prato_.

Senhora, tambem hum dia
Entrarei co'a frente erguida;
Não serei na vossa meza
Dependente toda a vida;

Nem sempre abatido pejo
Dirá nesta cara feia
Quanto doe a hum peito altivo
Matar fome em caza alheia;

Airozo, gordo Perum,
He meu soberbo prezente;
Traz inda as pennas molhadas
Co'pranto da minha gente;

No Santo Dia esperavão,
Quebrando antigo jejum,
Cravar inexpertos dentes
Neste primeiro Perum;

*O terremoto*

      Com fragor açoitando a vaga escura,
      O temporal irado, espumacento
      Cavalga um perfido corcel--o vento--
      Que solta gargalhadas de bravura.

      Treme a terra, e com horrida figura,
      Como Athlante, sacóde o turvo argento;
      Nos gonzos oscillando o pavimento,
      Dançam torres no assomo da loucura.

      Vae o fogo alastrando o aureo manto,
      As ruinas trucidam fugitivos,
      Que sangrentos se abraçam convulsivos!

De quem o mesmo Amor não se Apartava

Já a roxa e clara Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;

Quando o formoso gado se espalhava
De Sílvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor não se apartava.

Com verdadeiras lágrimas, Laurente,
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada,
Porque não morre já quem vive ausente,

Sátira

Besta e mais besta! O positivo é nada...
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.

Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crês, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d'Elmano a fúria temes...
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.

Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.

O silêncio, ao redor, é uma asa quieta...
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta...

Sem palavras

Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas,
Hão de pousar em tuas mãos, as minhas
Numa carícia transcendente e vã.

E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.

Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!

E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!...

Pages