A única maneira de nos livrarmos da tentação é...
Autor: Oscar Wilde on Sunday, 18 November 2012A única maneira de nos livrarmos da tentação é ceder-lhe.
A única maneira de nos livrarmos da tentação é ceder-lhe.
Dançam, dançam os paladinos,
Os magros paladinos do diabo,
Os esqueletos dos Saladinos.
Já a roxa e clara Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;
Quando o formoso gado se espalhava
De Sílvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor não se apartava.
Com verdadeiras lágrimas, Laurente,
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada,
Porque não morre já quem vive ausente,
Besta e mais besta! O positivo é nada...
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.
Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crês, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d'Elmano a fúria temes...
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!
Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.
Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.
O silêncio, ao redor, é uma asa quieta...
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta...
Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas,
Hão de pousar em tuas mãos, as minhas
Numa carícia transcendente e vã.
E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.
Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!
E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!...
Era ainda a visão,--Do templo em meio
Do anjo da morte a espada flammejante
Crepitando bateu. Bem como insectos,
Que á flôr de pego pantanoso e triste
Se balouçavam--quando a tempestade
Veiu as azas molhar nas aguas turvas,
Que marulhando sussurraram--surgem
Volteando, zumbindo em dança douda,
E lassos, vão pousar em longas filas
Nas margens do paul, de um lado e de outro;
Tal o murmurio e a agitação incerta
Ciciava das sombras remoinhando
Ante o sopro de Deus. As melodias
A chaminé vomita fumarada.
A machina assobia: parto emfim.
Na _gare_, ao longe, a minha namorada
Agita o lenço branco para mim.
Como rectas traçadas a namkim,
Sobre um fundo ceruleo de aguada,
Vejo no espaço nitidas, assim,
As linhas telegraphicas da estrada.
O sol, hostia de luz resplandecente,
Vae-se elevando gloriosamente
Na abobada vastissima dos ceus
E dois choupos batidos pelo vento
Curvam-se num ligeiro cumprimento,
Cerimoniosos, a dizer-me adeus...
Oh Sol, alma do mundo! esplendido portento
D'um mar feito da luz! vulcão, cuja fornalha,
Por entre um fogo eterno, expande o movimento
Da machina febril do mundo que trabalha!
E tu, Astro do amor, que, em noite silenciosa,
Qual perola engastada em fulgidos brilhantes,
Derramas tua luz serena e voluptuosa
Nos seios virginaes das timidas amantes:
Quando Martha morrer, depois do extremo arranco,
Não tratem d'orações;
Desprendam-lhe o cabello o vistam-a de branco
Á moda das visões.
Desejo vel-a então passar d'esta maneira
Depois de tal revêz,
Por entre a chama azul e tenue da poncheira
No fumo dos cafés.
Áquelle bom paiz das pallidas chymeras,
Monotonia azul;
Não temam que ella vá no fogo das espheras
Queimar o véu de tulle.