O FILHO MORTO
Autor: Soares de Passos on Saturday, 17 November 2012
A tua polida Carta,
Que honrou hum Poeta razo,
Escrita em pura linguagem,
E assignada no Parnazo;
Da mais injusta ambição
Traz testemunhos fieis;
Possues grossos thezoiros,
E citas-me por dez reis?
Quem do doce Anacreonte
Bebeo o estilo divino,
Quer prostituir seus olhos
Co'as Trovas do Tolentino?
Pago, em fim, divida louca;
Mas quem quer pontualidade,
Cuide tambem em pagar
As dividas da Amizade;
Para que te amava eu? Corpo d'espuma
Cruel enlevo de labios setinosos
Onde bailam desejos luminosos
Estrella, que de luz o ceu perfuma.
Para que te amava eu? Que densa bruma
Me offusca de saudade em tons nervosos
Desfolhando com gritos lacrimosos
As petalas d'amôr uma por uma?
Para que te amava eu? oh! praza aos ceus
Que em quanto o sol girar pelo universo
Naufragues da paixão nos escarceus.
Os devotos painéis dos antigos conventos,
Reproduzindo a santa imagem da Verdade,
Davam certo conforto aos sóbrios monumentos,
Tornavam menos fria aquela austeridade.
Olhos fitos em Deus, nos santos mandamentos,
Mais de um monge alcançou palma de santidade,
A' Morte consagrando obras e pensamentos
Numa vida de paz, de labor, de humildade.
Minh'alma é um coval onde, monge maldito,
Desde que existe o mundo, aborrecido, habito,
Sem ter um só painel que possa contemplar...
O público é muitíssimo tolerante. Ele perdoa tudo, menos o génio.
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.
Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...
— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.
Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Meu Amor, não é nada: - Sons marinhos
Numa concha vazia, choro errante...
Ah, olhos que não choram! Pobrezinhos...
Não há luz neste mundo que os levante!
Eu andarei por ti os maus caminhos
E as minhas mãos, abertas a diamante,
Hão de crucificar-se nos espinhos
Quando o meu peito for o teu mirante!
Para que corpos vis te não desejem,
Hei de dar-te o meu corpo, e a boca minha
Pra que bocas impuras te não beijem!
Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece,
Que para mi foi sonho nesta vida.
Lá numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro após ela; e ela então parece
Que mais de mi se alonga, compelida.
Brado: − Não me fujais, sombra benina. −
Ela (os olhos em mi c'um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser)
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tão cedo;
Eu morro e não vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.
Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarão todos co'o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.
Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),
A minha gratidão te dá meus versos:
Meus versos, da lisonja não tocados,
Satélites de Amor, Amor seguindo
Co'as asas que lhes pôs benigna Fama,
Qual níveo bando de inocentes pombas,
Os lares vão saudar, propícios lares,
Que em doce recepção me contiveram
Incertos passos da Indigência errante;
Dos olhos vão ser lidos, que apiedara
A catástrofe acerba de meus dias,
Dos infortúnios meus o quadro triste;
Vão pousar-te nas mãos, nas mãos que foram
Tão dadivosas para o vate opresso,