LYRA II.

Pintão, Marilia, os Poetas
A hum menino vendado,
Com huma aljava de settas,
Arco empunhado na mão:
Ligeiras azas nos hombros,
O tenro corpo despido;
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.

  Porém eu, Marilia, nego,
Que assim seja Amor; pois elle
Nem he moço, nem he cégo,
Nem settas, nem azas tem,
Ora pois, eu vou formar-lhe
Hum retrato mais perfeito,
Que elle já ferio meu peito;
Por isso o conheço bem.

A UMA MULHER

Amo-te a ti, e a Deus.
    Teus sonhos são riquezas
    Talvez e fasto. Os meus,
    És tu, que me desprezas.

    Deixal-o. Amor acaso
    É racional? Não é.
    O fogo em que me abrazo
    É como a luz da fé;

    Que além de cega, apaga
    O facho da razão.
    Ama-se e não se indaga
    Se se é amado ou não.

    Amo-te. O mais ignoro.
    Mas os meus ternos ais
    E as lagrimas que chóro
    Podem dizer o mais.

Benção

Quando, por uma lei da vontade suprema,
O Poeta vem a luz d'este mundo insofrido
A desolada mãe, numa crise de blasfêmia,
Pragueja contra Deus, que a escuta comovido:

— "Antes eu procriasse uma serpe infernal!
Do que ter dado vida a um disforme aleijão!
Maldita seja a noite em que o prazer carnal
Fecundou no meu ventre a minha expiação!

Já que fui a mulher destinada, Senhor,
A tornar inffeliz quem a si me ligou,
E não posso atirar ao fogo vingador
O fatal embrião que meu sangue gerou.

QUINTILHAS: _Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez do Lavradio_.

Se os Versos, que outra ora fiz
Escutastes prompto, e attento;
E se aos pés, que abraçar quiz,
Achou grato acolhimento
A minha Muza infeliz;

Dai-me benignos ouvidos
A outros, em dôr traçados,
D'arte, e de enfeite despidos;
Pela verdade dictados,
E a vós, Senhor, dirigidos;

Em louvores não os fundo,
Pois sei que sempre os pizastes;
E co'as mais acções confundo
As do tempo, em que tomastes
As rédeas do Novo Mundo;

*No Passeio Publico*

      A charanga transuda uma _gavotte_:
      Dois caturras discutem acirrados,
      E com bengalas corneas d'estoque
      Vibram politica em medonhos brados;

      Um coronel solemne, um D. Quichotte
      Exige a continencia d'uns soldados,
      E trauteando a polka da Mascotte
      Giram damas a passos alquebrados;

      As _lorettes_ com artes de raposa
      Perseguem os alferes; conjecturo
      Que não seja talvez p'ra boa cousa.

Vaga, no Azul Amplo Solta

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Jurando de não Mais em Outra Ver-me

Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De um naufrágio cruel saindo a nado,
Só de ouvir falar nele está medroso;

Firme jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o não tire sossegado;
Mas esquecido já do horror passado,
Dele a fiar se torna cobiçoso;

Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de não mais em outra ver-me;

Com a alma que de vós nunca se ausenta,
Me torno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tão perto de perder-me.

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