O OUTOMNO
Autor: Soares de Passos on Saturday, 10 November 2012
Se os Versos, que outra ora fiz
	Escutastes prompto, e attento;
	E se aos pés, que abraçar quiz,
	Achou grato acolhimento
	A minha Muza infeliz;
	Dai-me benignos ouvidos
	A outros, em dôr traçados,
	D'arte, e de enfeite despidos;
	Pela verdade dictados,
	E a vós, Senhor, dirigidos;
	Em louvores não os fundo,
	Pois sei que sempre os pizastes;
	E co'as mais acções confundo
	As do tempo, em que tomastes
	As rédeas do Novo Mundo;
      A charanga transuda uma _gavotte_:
	      Dois caturras discutem acirrados,
	      E com bengalas corneas d'estoque
	      Vibram politica em medonhos brados;
	      Um coronel solemne, um D. Quichotte
	      Exige a continencia d'uns soldados,
	      E trauteando a polka da Mascotte
	      Giram damas a passos alquebrados;
	      As _lorettes_ com artes de raposa
	      Perseguem os alferes; conjecturo
	      Que não seja talvez p'ra boa cousa.
Vaga, no azul amplo solta,
				Vai uma nuvem errando.
				O meu passado não volta.
				Não é o que estou chorando.
O que choro é diferente.
				Entra mais na alma da alma.
				Mas como, no céu sem gente,
				A nuvem flutua calma.
E isto lembra uma tristeza
				E a lembrança é que entristece,
				Dou à saudade a riqueza
				De emoção que a hora tece.
Amar é ultrapassarmo-nos.
Ninguém é sério aos 17 anos.
Como quando do mar tempestuoso
	O marinheiro todo trabalhado,
	De um naufrágio cruel saindo a nado,
	Só de ouvir falar nele está medroso;
	Firme jura que o vê-lo bonançoso
	Do seu lar o não tire sossegado;
	Mas esquecido já do horror passado,
	Dele a fiar se torna cobiçoso;
	Assi, Senhora, eu que da tormenta
	De vossa vista fujo, por salvar-me,
	Jurando de não mais em outra ver-me;
	Com a alma que de vós nunca se ausenta,
	Me torno, por cobiça de ganhar-me,
	Onde estive tão perto de perder-me.
Marília, nos teus olhos buliçosos
	Os Amores gentis seu facho acendem;
	A teus lábios, voando, os ares fendem
	Terníssimos desejos sequiosos.
	Teus cabelos subtis e luminosos
	Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
	E em arte aos de Minerva se não rendem
	Teus alvos, curtos dedos melindrosos.
	Reside em teus costumes a candura,
	Mora a firmeza no teu peito amante,
	A razão com teus risos se mistura.
Tibio o sol entre as nuvens do occidente,
	Já lá se inclina ao mar. Grave e solemne
	Vai a hora da tarde!--O oeste passa
	Mudo nos troncos da alameda antiga,
	Que á voz da primavera os gomos brota:
	O oeste passa mudo, e cruza o atrio
	Ponteagudo do templo, edificado
	Por mãos duras de avós, em monumento
	De uma herança de fé, que nos legaram,
	A nós seus netos, homens de alto esforço,
	Que nos rimos da herança, e que insultamos
	A cruz e o templo e a crença de outras eras;
	Nós, homens fortes, servos de tyrannos,
      Para um homem que aspira
	      Ao ideal da Belleza,
	      Não ha maior tristeza,
	      Magua maior não ha,
	      Que vêr escurecer-se-lhe
	      O ceu da noite escura
	      D'alguma ideia impura,
	      D'alguma paixão má!
	      Paixão que muitas vezes
	      A luz da nossa Ideia
	      Accende, inflama, atêa,
	      E depois nos attrae
	      Com tanto magnetismo,
	      Com tal encantamento,
	      Que o homem n'um momento
	      Vacilla, cega e cae!...