OBAOBA DO SENEGAL

O baobá no Senegal
 
É a grande árvore maternal
de corpulência de matrona,
de dar sombra embora incapaz
(pois o ano todo vai sem folhas)
pela bacia de matriarca,
pelas portinarianas coxas,
pela umidade que sugere
sua carnadura (aliás seca e oca),
vem dela um convite de abraço,
vem dela a efusão calorosa
que vem das criadoras de raça
e das senzalas sem história. 
( J. CABRAL MELO NETO)

TEU OLHAR

O TEU OLHAR
Quando fito o teu olhar,
Duma tristeza fatal,
Dum tao íntimo sonhar,
Penso logo no luar
Bendito de Portugal!
 
O mesmo tom de tristeza,
O mesmo vago sonhar,
Que me traz a alma presa
Ás festas da Natureza
E á doce luz desse olhar!
 
Se algum dia, por meu mal,
A doce luz me faltar
 
Desse teu olhar ideal,
não se esqueça Portugal

O jovem Rupestre

O menino deixou a chinela a mamadeira Deixou o bico o trem Deixou a frauda a moto Deixou o carro e a sorte para o mês que vem Deixou de lado tudo que trasporta e ficou em cadeira de vai e vêm Deixou a sorte para o acaso Deixou suas mãos pintadas na rocha rupestre Deixou cinco dedos na História para contar que não tinha pressa Só não deixou ninguém esperando e foi embora

A menina e o Livro

Sentada sem preocupação Perto de minha casinha papelão Peguei um livro da minha tia Era velho e pesado passei a ler Percebera que não havia espaço sem reino E não havia reino sem espaço Que tinhas barquinhos água e sal Tinham palavras em lutas que impulsionavam a Nau Tinha homens em lutas Tinham reinos em lutas Tantas labutas epopeias homéricas Deixei o livro na sala e fui brincar com minhas borboletas Batizei uma delas de lusíadas o nome do livro da tia O livro era velho e pesado as borboletas não a são Pois não havia espaço sem reino e reino sem espaço E lusíada minha borboleta preenchia

CEARÁ

Sonoplastia dos cavalos dos deuses produzidas por uma banda de música agreste monolíticas paisagens compõem cenários por essa trilha por esse caminho a dentro arbustos ao meu lado, pedras galhos secos foi o tempo o vento que escupiu em escala quase musicas foi a poesia musica do zumbido do ar nas penas do carcará O balanço oculto do terremoto mexeu o duro cristalino Alicerces de sapatas gigantes, pousou de pé na pedra um leve bem-te-vi Que violou em rompante um pequeno sossego Umbuzeiros e cipós amarelados em harmonia, um anu alma de gato canta No silencio do chão de cascalho.

Pássaro mudo

Não sabia cantar o canto metálico do uirapuru Sabia ouvir pousado em um galho finissimamente onírico De longe o se põe a escutar Não sabia cantar o canto sintético do uirapuru Sabias voar rasante e tocar a barriga no espelho d’água Provocava uma ressonância quieta silenciosa Não sabia cantar o sinfônico canto do uirapuru Mas sabia ouvir e reverberar outros sons Sabias ficar quieto perto e distante ou mesmo tempo em outras palavras discreto, escreve roteiros com um olhar suave ele está longe e perto descansa em fulgores eternos.

SOM CORRIDO A CAVALO

A língua do bardo amolou a lâmina Que cortou o vento
Cipós e sons ao vento
Raízes no solo ao vento
A língua do bardo é uma raiz profunda
Acionou palavras de comando para um corcel selvagem, 
No dorso pintas brancas de luz ,
Corre ligeiro cavalo indômito 
Leva a música e lira do bardo medonho
Bardo gordo que matou a fome do povo
Festa de coisas gordas, a pedra o bardo a lâmina
 Tudo foi musical 
mesmo a lira parada sem movimento 

A DANÇA

Obrigado por me conceder mais uma Dança por cima do Caos medo e desesperança No crepúsculo que encidi sobre as longarinas velhas , peita o vento em suaves espumas na Ponte metálica , corais corroídos me revelam medo da morte. Obrigado pequena menina por mas uma dança por não se deixar morrer Gritos coletivos orações em uníssono Agradeço pelas orações canções e monções poéticas Seus cabelos já estão sobre meus dedos Seu olhar já é vivido e forte, obrigado por essa dança querida por não me deixares só Saio da tormenta com vontade de tirar coisas boas de mim só para poder dançar com você.

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