ODE MARÍTIMA
Autor: Álvaro de Campos on Sunday, 30 December 2012a Santa Rita Pintor.
*Ode marítima*
a Santa Rita Pintor.
*Ode marítima*
_A' Illustrissima, e Excelentissima Senhora Dona Catharina Micaella de
Souza, tendo o Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Luiz Pinto de
Souza expedido Avizo para se imprimirem as Obras do Author na Officina
Regia_.
CARTA.
Senhora, Apollo bem sabe
Que sois digna companhia
De quem em doirados annos
Lhe honrava a doce Poezia;
Inda de viçozo loiro
Lhe guarda a verde coroa;
Fez-lhe falta em sua Corte,
Mas a bem de outra o perdoa;
_Ao Excellentissimo Senhor D. Lourenço de Lima, tendo promettido ao A.
que quando chegasse das Caldas, havia lembrar a mercê de se imprimirem
estas Obras_.
CARTA.
Ora do cume dos Montes,
Ora em suas verdes fraldas,
Hia estender os meus olhos
Na longa estrada das Caldas;
Sobre escumozos cavallos
Trotando empoada sege,
Disse quem fez os meus versos
=Ahi vem quem os protege;=
_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez, de Ponte de Lima,
Ministro de Estado, pedindo-lhe o A. licença para ir ao remedio de
banhos, na occazião em que o mesmo Senhor se tinha encarregado de lhe
promever a mercê de se imprimirem as suas Obras na Officina Regia_.
CARTA.
Senhor, entreguei meu livro;
Foi esse filho mesquinho
Co'a esteril benção do Pai
Lançar-se aos pés do Padrinho;
Dei-lhe em dote inuteis rimas,
Dei-lhe vazio thezoiro;
Mas vossas mãos milagrozas
Convertem nadas em oiro;
Sonhei esta noite
que te trazia a primavera aos lábios...
(E esta noite
não mais foi
do que
qualquer
uma
que podia ter sido
qualquer uma das outras)
Sonhei que terias na voz
um esquecimento
qualquer
uma palavra que porventura
te tivesse ficado por dizer
Mas eis-me de volta aos dias
sem varandas
sem esperas
_A hum Leigo, que era vesgo, e que nunca teve fastio; e a quem por acazo
tocou na cabeça a ponta de hum espadim_.
Ferio sacrilega espada,
Alçada por mão traidora,
Cabeça, que sempre fôra
Té aos Barbeiros vedada;
D'entre a grenha profanada
Corre o sangue á terra dura;
Tosquiou-se a matadura;
E o casco rebelde a ordens,
Precizou destas desordens
Para ter Prima Tonsura.
_A respeito de hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica; que
tomava triaga contra o veneno que ainda lhe havião de dar; que dizia que
estava eleito Cardeal; e que era demaziadamente trigueiro, se deo este_
MOTE.
_Não tem côr de Cardeal_
Não ajuda ao Padre a cara;
Revolvo antigos Annaes,
E vejo que os Cardeaes
Tinhão a pelle mais clara;
Será maravilha rara
Achar hum de côr igual;
Forão brancos como a cal
Mazarino, e Alberoni;
E a não ser este o Negroni,
Não tem côr de Cardeal.
_A hum Fidalgo, que pedia para o Author hum lugar na Secretaria, na
occazião em que elle pertendia o seu proprio Despacho_.
Se vemos rir quem chorava,
E tantos exemplos temos,
Senhor, não desesperemos,
Deos ainda está onde estava:
Água branda as pedras cava;
Em tudo o tempo he precizo;
Saber teimar com juizo
Tem mil montes aplanado;
Talvez sejais despachado,
E talvez que eu lavre o Avizo.
A Lei da pura amizade
Minhas lagrimas condemna;
Quer que ceda a minha pena
A' tua felicidade;
Vai; e em quanto a vil maldade,
E a intrigante cubiça,
A baixa inveja, a injustiça
Pézas na recta balança,
Conserva de mim lembrança,
Que he tambem fazer justiça.
A João de Deus
Elle vinha da neve, dos trabalhos
Violentos, custosos, da enxada;
Cantando a meia voz pelos atalhos.
A mulher loura, infeliz, resignada,
Cosia junto á luz. O rijo vento
Batia contra a porta mal fechada.
Ao pé havia um Christo, um ramo bento,
E uma estampa da Virgem, colorida,
Cheia de magoa olhando o firmamento.
Uma banca de pinho, mal sustida,
Vacillante nos pés, um candieiro;
Companheiros d'aquella negra vida.