ONDE SE ENCONTRA A VENTURA?
Autor: Bulhão Pato on Wednesday, 30 January 2013
Se o homem fosse, como deveria ser,
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais.
Animal directo e não indirecto,
Ninguem póde dizer que soffro ou tenho;
Eu não amo a princeza da Golconda,
Nem da prisão livral-a é meu empenho,
Qual paladim da Tavola Redonda.
E sinto-me ir minando; um mal extranho
Que ninguem sabe, e vista alguma sonda,
Me mata lentamente, como um lenho
Que vae levando, mar em fóra, a onda.
Todas as tardes fujo ao sol poente;
Recolho cedo a casa, e durmo quente,
E a Medecina já me desengana...
Quando Deus criou sua mais bela obra prima: o homem. Deu-lhe o privilegio e a liberdade de administrar tudo quanto havia criado inclusive seu exuberante jardim. Mas um dia ele observando os animais com seus respectivos pares, os rios nascendo em gotas prateadas por entre as fendas das rochas, os lírios com suas flores exóticas, as borboletas colorindo todo horizonte... Sentiu-se só.
-Então o criador vendo sua tristeza e solidão, resolveu fazer-lhe uma grata surpresa:
Talvez em eu morrendo a teus ouvidos
Chegue a noticia, que hoje os factos vôam,
E oiças então os intimos gemidos
Que exhalo e te não sôam.
Talvez então, embora me não ames,
Com esses olhos humidos de fito
Na minha sombra: «Desgraçado! exclames;
Amava-me, acredito.
«Levou a vida amando-me: que prova
Me podia alguem dar de mais ternura,
Ingrata como eu era! Abri-lhe a cova,
Cavei-lhe a sepultura!
Escrito em 21-5-1917.
Sempre que penso uma coisa, traio-a.
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela.
Eu vivo só das multidões distante,
E tenho um tom solemne grave e emphatico,
Amo Flaubert, Gostavo Droz e Dante,
Sou mysanthropo, hysterico e limphatico.
Sou phantastico, altivo, e caprixoso,
E tenho uns paradoxos meus protervos...
E entre elles conto um livro volumoso...
Em que explico o Remorso pelos nervos.
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