Se eu morrer novo
Autor: Alberto Caeiro on Saturday, 26 January 2013
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Adeus, adeus, ó Sol! grão moribundo
Tão amado dos mysticos amantes!
Vae dourando inda os ninhos e os mirantes
E os sinceiraes, o Mar, o velho mundo!
Vae! vae! ó astro lyrico! no fundo
Das aguas apagar-te!... Os teus instantes
São curtos, coração largo e profundo!
Mas da minha amargura semelhantes!
E, no entanto, astro de fogo, astro tyrano!
Se a tua chaga é funda, no Oceano
Todo o teu sangue ali podes lavar!...
Vende-se o que os Judeus não venderam, o que nem a nobreza nem o crime
provaram, o que o amor maldito e a honestidade infernal das massas ignoram;
o que nem a ciência nem o tempo reconhecem;
As vozes restauradas, o despertar fraterno de todas as energias corais e
Hoje não me peçam palavras,
porque não as tenho...
lancei-as para longe, para fora de mim...
não resta nada,
nem uma se quer para lembrar
ou simplesmente esquecer...
Hoje sou pele, apenas e só pele...
por entre a qual os sentidos rodopiam,
chegando mesmo a confundirem-se...
Hoje só a alma vê, só ela sente,
só ela me arremessa os cheiros
e os sabores do mundo,s
só a ela eu permito estar perto...
Perto mas em silêncio,
porque hoje dei descanso às palavras...
Grafitte
A minha obra
Não é minha obra-prima.
A minha obra
É minha obra-filha
Sangue do meu grafite.
Douglas Fagundes Murta
Cidade triste entre as tristes,
Oh Baltimore!
Mal eu diria que na terra existes
Cidade dos Poetas e dos Tristes,
Com teus sinos clamando «Never-more.»
Os comboios relampagos voando,
Pela cidade de Baltimore,
Levam uns sinos que de quando em quando
Ferem os ares, o coração magoando
E os sinos clamam «Never-more, never-more».
...........................................
Baltimore, 1897.
Surgite mortui.
(Apocalypso)
Invideo quia requiescunt.
(Palavras de Luthero no cemiterio de Wormo)
Mortos! eu vos invejo!--As frias lagens
Cobrem-vos, hoje, os corações desfeitos!...
As brancas pombas vôam n'esses leitos...
E as meigas aves gemem nas folhagens!
A Natureza enflora os vis defeitos...
Ri nas estatuas, urnas, nas imagens!..
E, ahi emfim, contentes, satisfeitos,
Vós descansais das lugubres viagens!...
Sem encontrar-se.
Chegas sem aviso,
vens por onde já não te espero,
vestido de um tempo que a saudade matou...
desventras-me as emoções,
e eu em promessas e fascínios me doo,
flutuas sobre os véus da minha alma,
e sem que te peça
dás-me de provar o teu veneno,
que me mata pouco a pouco
de tanto querer viver-te...
algemo-me a ti no abismo dos abraços,
na tormenta dos beijos,
no quebranto do olhar...
tu conheces-me mas eu de ti nada sei,
sinto-te apenas...