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Ha vinte annos já, que andas na Terra

    Ha vinte annos já, que andas na Terra,
    Ha vinte dias só, que te conheço!
    Eu andava perdido pela serra,
    E o que eu era então, já não pareço.

    Ha vinte dias só que te conheço,
    Ó meu beijo de Luz! minha Chymera!
    És a Graça de Deus (com qu'estremeço)
    Talvez, o que no mundo, inda me espera.

    Sonho da minh'alma! Ó meu ceu d'estio!
    Pois não tens piedade d'este frio
    Que sinto em mim, na minha solidão!

FRANCISCA DE RIMINI

 Disse eu então: poeta, vês aquelles,
    Abraçados, velozes como o vento?
    Desejava poder fallar com elles.

    --Chamando-os com enternecimento,
    Em cá passando mais do nosso lado,
    São dois amantes, lograrás o intento.

    Assim que o vento os aproxima, brado:
    Oh almas d'uma eterna anciedade,
    Vinde fallar-me, se vos isso é dado.

    Como um casal de pombas, com saudade
    Do ninho, vem no ar, d'aza espalmada,
    Não mais que por impulso da vontade;

UM BEIJO

Seria o beijo
    Que te pedi,
    Dize, a razão
    (Outra não vejo)
    Porque perdi
    Tanta affeição?

    Fiz mal, confesso;
    Mas esse excesso,
    Se o commetti,
    Foi por paixão,
    Sim, por amor
    De quem?... de ti!
    Tu pensas, flôr,
    Que a mulher basta
    Que seja casta,
    Unicamente?
    Não basta tal.
    Cumpre ser boa,
    Ser indulgente.
    Fiz-te algum mal?
    Pois bem: perdôa!

*O AMOR DO VERMELHO*

(Nevrose d'um Lord.)

A idéa de teu corpo branco amado,
Belleza esculptural e triumphante,
Persegue-me, mulher, a todo o instante,
--Como o assassino o sangue derramado!

Quando teu corpo pallido, e brijado,
Abandonas ao leito--palpitante,
Quem jámais comtemplou em noute amante,
Tentação mais cruel, tom mais nevado?!

No emtanto--duro, excentrico desejo!
--Quisera as vezes que a dormir te vejo
Tranquilla, branca, inerme, unida a mim....

Spleen

Quando o cinzento ceu, como pesada tampa,
Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;

Quando se muda a terra em húmida enxovia
D'onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;

Quando a chuva, caíndo a cântaros, parece
D'uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,

_MORS LIBERATRIX_

 

Na tua mão, sombrio cavalleiro,
Cavalleiro vestido de armas prêtas,
Brilha uma espada, feita de comêtas,
Que rasga a escuridão, como um luzeiro.

Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo involto na noite que projectas...
Só o gladio de luz com fulvas bétas
Emerge do sinistro nevoeiro.

--«Se esta espada que empunho é coruscante,
(Responde o negro cavalleiro-andante)
É porque esta é a espada da Verdade.

Firo, mas salvo... Prostro e desbarato,
Mas consólo... Subverto, mas resgato...
E, sendo a Morte, sou a Liberdade.»

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