Passei toda a noite
Autor: Alberto Caeiro on Wednesday, 9 January 2013
Escrito em 10-7-1930.
Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
Escrito em 10-7-1930.
Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
O Universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
Soffrer callada as suas proprias dôres
E chorar como suas as dos mais,
Tal a Rainha do seu nome, em flôres
Transforma pedras e em sorrisos ais.
A toda a parte leva o sol e amores,
É a _Saude dos Enfermos_ nos Cazaes;
E, no mar-alto, os velhos pescadores
Invocam-n'a entre espuma e temporaes!
Quem será ella, tão piedoza e dôce!
Com uns taes olhos que não tinha visto
Será a Virgem? Oxalá que fosse!
Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.