Geral

*FARÇA TRISTE*

Je suis son pére.
     (Flaubert)

Ninguem diria ao certo a edade que teria!
Era um velho devasso e histrião--bom guia
Para mostrar de noute, aos baços candieiros,
As casas de bordeis aos velhos estrangeiros.

Encontravam-o sempre a errar, imbecilmente;
Era alto, magro, hostil, e dava-se á aguardente--

Tinha um certo tremor em todo o corpo--o vinho
Dava-lhe um rir constante; tinha o sorrir mesquinho
E dubio que nos faz arrepiar mau grado;--
Fôra mendigo e actor, ladrão, bobo e soldado.

Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza...

_Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza, aonde jantava
o sobredito Leigo_.

Hum estomago cansado,
De cuja antiga ruina
Tem sido cauzas iguaes
A molestia, e a Medicina;

Que tendo em si dos tres Reinos
As perigozas heranças,
Só não bebeo das Boticas
Os S. Migueis, e as balanças;

Hum estomago sem forcas,
E ás leis geraes ínfiel,
Que não trabalha em diamante,
Como o de Fr. Manoel;

CANTIGAS: _Feitas nas caldas com o Estribilho_.

_Olhos meus, cansados olhos,
O vosso officio he chorar_.

Nas Caldas, nas tristes Caldas
Alegria vim buscar;
Quiz de noíte ver o Sol,
Quiz achar fogo no mar.
    _Olhos meus, etc._

Que importa mudar de terra,
E baldados passos dar,
Se a toda a parte a que os volto
Vai comigo o meu pezar.
    _Olhos meus, etc._

Vejo pálidos doentes
Pela Copa passear,
Oiço de antigas molestias
Tristes effeitos contar.
    _Olhos meus, etc._

Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!

MELODIA CONFIDENCIAL (De Albert Samain)

_A L.C._

      Num andamento
      Discreto, lento,
Mal se ouve o pêndulo lavrado e antigo.

      Vamos vogando
      No lago brando
E sem limites do silencio amigo...

      O ultimo e cavo
      Accorde do cravo
Ficou vibrando exclamativamente.

      E, em espiral
      Ascencional,
Cingiu-nos num abraço enlanguescente.

      Na alcatifa macia
      Entrou na agonia
Uma rosa sedenta e abandonada,

DINHEIRO

    O dinheiro é tão bonito,
    Tão bonito, o maganão!
    Tem tanta graça o maldito,
    Tem tanto chiste o ladrão!
    O fallar, falla d'um modo...
    Todo elle, aquelle todo...
    E ellas acham-no tão guapo...
    Velhinha ou moça que veja,
    Por mais esquiva que seja,
             _Tlim!_
             Papo.

Nunca me ha-de esquecer (ingrata! escuta)

    Nunca me ha-de esquecer (ingrata! escuta)
    Não tendo eu mais talvez que os meus dez annos
    Esses olhos crueis, esses tyrannos
    Commigo em porfiada aberta lucta.
 
    Se eu fôra voraz lobo ou fera bruta
    D'entranhas más, instinctos deshumanos,
    Talvez o fructo então de teus enganos
    O não colhesses tu de face enxuta.

    Mas eu perdôo-te o mal que me has causado;
    A culpa não é tua e só devia
    Vingar-me em quem tão bella te ha formado.

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