Geral

*MADRIGAL DA RUA*

Ó irmã das açucenas!
Meu coração é um horto,
Semeado de mais penas
Que as chagas d'um Christo morto.

Tanto é ver-te o meu desejo!
Tanto em mim poder conservas!
Que eu creio se não te vejo
Já ser debaixo das hervas!

..........................................

Debaixo d'essas janellas
Sempre crueis e fechadas,
Hontem á noute, ás estrellas,
Deram-me quatro facadas!

Mas nenhuma fez no peito
O mal,--que por minha cruz!
Os teus olhos me tem feito
Dando facadas de luz!

O PASSEIO DE SANTO ANTONIO

_A Columbano_

     La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous
     de puiser, dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables
     pretextes à fiction qu'il recèle.

    (_Litterature à Tout á L'Heure_.)

Sahira Santo Antonio do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um candido sermão sobre o peccado.

DUVIDA

Amas-me a mim! Perdôa;
    É impossivel! Não,
    Não ha quem se condôa
    Da minha solidão.

    Como podia eu, triste,
    Ah! inspirar-te amor,
    Um dia que me viste,
    Se é que me viste... flôr!

    Tu, bella, fresca e linda
    Como a aurora, ou mais
    Do que a aurora ainda,
    Mal ouves os meus ais!

    Mal ouves porque as aves
    Só soltam de manhã
    Seus canticos suaves;
    E tu és sua irmã!

*Ao Canto do Lume*

Novembro. Só! Meu Deus, que insupportavel mundo!
    Ninguem, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um rapido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
    Spleen o d'estas noites immortaes!

Faz tanto frio. (Só de a ver me gela, a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! bota mais carvão!
E quando todo se extinguir na aurea chamma,
Eu botarei (para que serve? já não ama...)
As cinzas brancas, meu vermelho coração!

*FARÇA TRISTE*

Je suis son pére.
     (Flaubert)

Ninguem diria ao certo a edade que teria!
Era um velho devasso e histrião--bom guia
Para mostrar de noute, aos baços candieiros,
As casas de bordeis aos velhos estrangeiros.

Encontravam-o sempre a errar, imbecilmente;
Era alto, magro, hostil, e dava-se á aguardente--

Tinha um certo tremor em todo o corpo--o vinho
Dava-lhe um rir constante; tinha o sorrir mesquinho
E dubio que nos faz arrepiar mau grado;--
Fôra mendigo e actor, ladrão, bobo e soldado.

Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza...

_Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza, aonde jantava
o sobredito Leigo_.

Hum estomago cansado,
De cuja antiga ruina
Tem sido cauzas iguaes
A molestia, e a Medicina;

Que tendo em si dos tres Reinos
As perigozas heranças,
Só não bebeo das Boticas
Os S. Migueis, e as balanças;

Hum estomago sem forcas,
E ás leis geraes ínfiel,
Que não trabalha em diamante,
Como o de Fr. Manoel;

CANTIGAS: _Feitas nas caldas com o Estribilho_.

_Olhos meus, cansados olhos,
O vosso officio he chorar_.

Nas Caldas, nas tristes Caldas
Alegria vim buscar;
Quiz de noíte ver o Sol,
Quiz achar fogo no mar.
    _Olhos meus, etc._

Que importa mudar de terra,
E baldados passos dar,
Se a toda a parte a que os volto
Vai comigo o meu pezar.
    _Olhos meus, etc._

Vejo pálidos doentes
Pela Copa passear,
Oiço de antigas molestias
Tristes effeitos contar.
    _Olhos meus, etc._

Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!

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