DESALENTO
Autor: Soares de Passos on Monday, 17 December 2012
Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
_A Bertha Cayolla Gil Vianna_, minha sobrinha
Oh Desgraça! vae-te embora,
Que esta linda criancinha
Andou no meu ventre e agora
Trago-a nos braços. É minha!...
Do berço, segue-me os passos;
Onde eu vou, seus olhos vão...
E quando a aperto nos braços
--Abraço o meu coração.
Quando o seu chôro receio,
Embalo-a, faço que acceite
A alegria do meu seio
Na brancura do meu leite...
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte:
Ponteia e coze, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de velludo
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vae a aborrecer,
Fui-me lá, hontem: (era Entrudo,
Havia immenso que fazer!...)
--Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva?--Vamos ver...
Olhou, mexeu na caza toda...
--Eis aqui um e bem barato.
Que magua ou que receio
Dos olhos te desata
Aljofares de prata
No jaspe do teu seio?
Bem intima ser deve
A pena que te opprime,
Flôr tenra como o vime,
Flôr pura como a neve!
--Compunge-te isso, dóe-te
Vêr esmaltando o calix
Da erma flôr dos valles
O balsamo da noite?
Se aos olhos nos affluem
As lagrimas, parece
Que a dôr nos adormece,
E as maguas diminuem.
La neige batait les vitres...
(Gustavo Droz)
Cae lentamente a neve em cima dos telhados.
Tres longos dias crus, terriveis são passados,
Que o rude lavrador anda por fóra ao vento,
Á neve, ao frio, ao sol, em busca de alimento,
E ainda não voltou. Um dos tres filhos chora;
Rija e sonoramente, a chuva cae lá fóra.
Navio que partes para longe,
Por que é que, ao contrário dos outros,
Não fico, depois de desapareceres, com saudades de ti?
Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine
_A Vicente Arnoso_
Batem leve, levemente
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania;
Mas ha pouco, ha poucochinho,
Nem uma agulha bolia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Ralada de ruins sonhos
Já desperta está Leonor,
E 'inda agora os céus d'oriente
Da manhan tingiu o alvor.
«Guilherme, és morto?--ella exclama--
Ou trahiste a pobre amante?
Se vives, porque retardas
De te eu ver feliz instante?»
Nas tropas de Friderico
Tempo havia que partíra
Para a batalha de Praga,
E cartas delle quem vira?
Mas a imperatriz e o rei[1],
De guerras, emfim, cansados,
Depondo os animos feros,
De paz faziam tractados.
Morreu, Vae a dormir, vae a sonhar... Deixal-a!
(Fallae baixinho: agora mesmo se ficou...)
Como padres orando, os choupos formam ala,
Nas margens do ribeiro onde ella se afogou...
Toda de branco vae, n'esse habito de opala,
Para um convento: não o que o Hamlet lhe indicou,
Mas para um outro, horror! que tem por nome _Valla_,
D'onde jamais saiu quem, lá, uma vez entrou!...
O lindo Por-do-Sol, que era doido por ella,
Que a perseguia sempre, em palacio e na rua,
Vede-o, coitado! mal pode suster a vela...