Geral

*Enterro de Ophelia*

Morreu, Vae a dormir, vae a sonhar... Deixal-a!
(Fallae baixinho: agora mesmo se ficou...)
Como padres orando, os choupos formam ala,
Nas margens do ribeiro onde ella se afogou...

Toda de branco vae, n'esse habito de opala,
Para um convento: não o que o Hamlet lhe indicou,
Mas para um outro, horror! que tem por nome _Valla_,
D'onde jamais saiu quem, lá, uma vez entrou!...

O lindo Por-do-Sol, que era doido por ella,
Que a perseguia sempre, em palacio e na rua,
Vede-o, coitado! mal pode suster a vela...

*NA TABERNA*

A João de Deus

       Vejo apontar o hynverno...
    os crepitantes frios
    Me açoutam as vidraças...
    (Francisco Manoel)

Alguns dormem nas mezas, debruçados,
Junto aos restos de um vinho já bebido;
--Outros contam seus casos desgraçados.--

Um d'elles alto, magro, mal vestido,
Conta historias d'amor, lançando fumo
D'um cachimbo de gesso ennegrecido.

Um tenta levantar um outro a prumo
Sobre os hombros, e um calvo, e já vermelho
Faz das suas miserias um resumo.

*Reischoffen*

_6 de Agosto de 1870._

      Desfraldam-se estandartes e trombetas,
      Ouve-se o crepitar da espingarda;
      Quando o canhão rouqueja á retaguarda
      Scintilla a larga messe das baionetas.

      As coiraças protegem a vanguarda,
      Dos capacetes poisam nas facetas
      As crinas marciaes, vermelhas, pretas,
      Com expressão terrivel e galharda.

      Bonnemain determina a voz de carga:
      Os estribos telintam, fulge a espada,
      Debalde a morte os esquadrões embarga.

SEXTILHAS A UM MENINO JESUS D'EVORA

_A João Barreira_

«Em Evora vi um menino...
...Que a dois annos não chegava
...Era de maravilhar»...

Garcia de Rezende. _Miscellanea._

Num convento solitario
D'Evora, cidade clara,
Claro celleiro de pão,
Existe uma imagem rara
Obra dum imaginario
Dos tempos que já lá vão...

É um menino Jesus,
De bochechinha brunida
Côr de maçã camoeza,
Mas no seu rosto transluz
Uma expressão dolorida
Que enche a gente de tristeza...

A UNS OLHOS AZUES

Cahe a folha da rosa pudibunda,
    Cahe a rosa da face virginal,
    Cahe das nuvens a aguia moribunda,
    Cahe o sol na montanha occidental.

    Cahe a onda na praia, cahe do somno
    O poeta na luz; e cahe das mãos
    Dos despostas o sceptro, elles do throno,
    Como a seus pés cahiram seus irmãos!

    Cahe dos labios o riso; cahe dos olhos
    A lagrima tambem, que d'alma sahe;
    Cahe a rocha no mar, cahe nos abrolhos
    A flôr de liz; de louro a folha cahe.

*AQUELLE SABIO*

N'aquellas altas janellas
Que deitam para o telhado;
Eu vejo-o sempre encostado,
A namorar as estrellas.

Tem assim ares d'empyrico
Mui lido em philosophástros;
É um pobre poeta lyrico,
Que escreve cartas aos astros.

Traz luto nos seus vestidos
Por uma Ophelia de menos,
Tem uns cabellos compridos,
E uns olhos tristes, serenos.

Parece um Jove proscripto,
E já descrente das Ledas,
Conhece o hebraico, o sanscrito
E os livros santos dos Vedas.

S.^{ta} Iria

N'um rio virginal d'agoas claras e mansas,
Pequenino baixel, a santa vae boiando...
Pouco e pouco, dilue-se o oiro das suas tranças
E, diluido, ve-se as agoas aloirando.

Circumda-a um resplendor, a luzir esperanças,
Unge-lhe a fronte o luar, avelludado e brando,
E, com a graça etherea e meiga das crianças,
Formosa Iria vae boiando, vae boiando...

Á lua, cantam as aldeãs de _Riba-Joia_,
E, ao verem-na passar, phantastica barquinha,
Exclamam todas: «Olha um marmore que aboia!»

*Episodio balnear*

      N'uma _soirée_ heroica, ignea e linda
      Jurára o fulvo Arthur até á morte
      Ser da formosa e pudibunda Olinda
      Chumbando a ella p'ra sempre a sua sorte.

      Por ella ao inferno iria, o mar ainda
      Beberia d'um trago! Ella é seu norte,
      Meiga estrella de lucido transporte,
      Palpitante de rubra graça infinda.

      De manhã cêdo a nossa _Julieta_
      Desce nas crespas vagas a banhar-se
      Mascarada n'um fato de baeta

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