Há poetas que são artistas
Autor: Alberto Caeiro on Sunday, 9 December 2012
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
O velho Olimpo dorme o bom somno comprido
Que prostra o lutador no fim d'uma batalha,
E os Deuses d'outro tempo, em livida mortalha,
Descançam no torpor d'um mundo corrompido.
No puro céo christão, de estrellas revestido,
No entanto ha muito já que chora e que trabalha,
Por nós, o Christo bom sem que seu Pae lhe valha,
A fim de ver, de todo, o mundo redimido!
Justiça, traça o manto alvissimo e estrellado
E senta-te, mulher, no throno abandonado
Pelos vultos gentis de tantos Deuses velhos!
Na serena missão de paz que tu cumpriste
Ó suave Jesus, ó doce galileu,
Que santa singeleza e que perfume triste
Do teu casto perfil no mundo rescendeu!
Havia no teu verbo aquella unção divina
Que a velha harpa de Job soltou nas solidões,
E o bello, o puro sol da antiga Palestina
Suave contornou, de luz, tuas feições!
Compunham-te o cortejo uns pobres pescadores
Almas rectas e sãs; marchavas por teu pé,
E sorrias falando aos rudes e aos pastores,
Sentado nos portaes da pobre Nazareth.
Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar ôco de certezas mortas? -
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construido...
- Barcaças dos meus impetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de Segrêdo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao rôxo, a que rochêdo?...
- Ó nau de festa, ó ruiva de aventura
Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também ou, por ventura,
Fundeaste a Ouro em portos d'alquimia?...
A Anthero do Quental.
Bons castellos leaes nas rochas construidos,
Ás contorções do vento, á chuva ennegrecidos,
Que vamos admirar na angustia dos poentes;
Grandes sallas feudaes com tellas de parentes,
O que fazeis de pé, como entre os nevoeiros,
Os antigos heroes e as sombras dos guerreiros?!
Pois se como sempre fomos
Somos
Pétalas da mesma flôr,
E o que eu sinto, ou eu me illudo,
Tudo
Tambem sentes, gosto e dôr;
Que te arraza os olhos d'agua?
Magua
Em que eu não deva tocar?
Oh! mas se ha quem a suavise,
Dize,
Vou-lhe um suspiro levar.
Rozas de vinho! Abri o calice avinhado!
Para que em vosso seio o labio meu se atole:
Beber até cair, bebedo, para o lado!
Quero beber, beber até o ultimo gole!
Rozas de sangue! Abri o vosso peito, abri-o!
Montanhas alagae! deixae-as trasbordar!
As ondas como o oceano, ou antes como um rio
Levando na corrente Ophelias de luar...
Camelias! Entreabri os labios de Eleonora!
Desabrochae, á lua, a ancia dos vossos calis!
Dá-me o teu genio, dá! ó tulipa de aurora!
E dá-me o teu veneno, ó rubra digitalis...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Lego uma trança do cabello d'ella
Para atar um cavallo á mangedoura
E as cartas da flacida impostora
Para embrulhar assucar e canella.
Ao credulo rival, deixo, leitora,
A licença de entrar pela janella;
Outrosim deixo as ligas e a fivela
Que cingiram a perna encantadora:
Os beijos que me deu ficam comigo
E a memoria das noites palpitantes
Hade caber tambem no meu jazigo.