Geral

Minha Terra

A. J. Emídio Amaro

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pão e a minha casa...

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha... a dormitar...
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu...
Aonde a mãe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada...

Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado

Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado,
Mansa corrente deleitos, amena,
Em cuja praia o nome de Filena
Mil vezes tenho escrito, e mil beijado:

Nunca mais me verás entre o meu gado
Soprando a namorada e branda avena,
A cujo som descias mais serena,
Mais vagarosa para o mar salgado:

Devo enfim manejar por lei da sorte
Cajados não, mortíferos alfanges
Nos campos do colérico Mavorte;

E talvez entre impávidas falanges
Testemunhas farei da minha morte
Remotas margens, que humedece o Ganjes.

Combate

Fazer versos delirantes
Ao teu frio coração
É como engastar diamantes
N'um ad'reço de latão;

O ULTIMO D. JUAN

D'aquelle de quem falo, as socegadas lousas
Podiam-vos contar as violações brutaes!
A gula com que morde as mais sagradas cousas
D'horror faz recuar os trémulos chacaes.

Não descanta á viola, á noite, os seus enleios:
Elle vive na sombra e eu sei também que vós,
Gentis bellezas d'hoje, ó astros dos Passeios,
Lhe não lançaes, a furto, a escada de retroz.

Distante Melodia

Num sonho d'Iris, morto a ouro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.

Então os meus sentidos eram côres,
Nasciam num jardim as minhas ansias,
Havia na minh'alma Outras distancias -
Distancias que o segui-las era flôres...

Caía Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
Noites-lagôas, como éreis belas
Sob terraços-liz de recordar-me!...

*O PECCADO*

Nunca cessamos de peccar
     (Imitação de Christo)

I

*Ubique doemon*

Bem sei... e mais que o sei, claro luar!
Que segundo a severa theologia,
Pelas noutes sonoras de poesia
O aroma dos lyrios faz peccar!

Quem vos diría!... madresilvas, mar,
Lilazes, claros rios, cotovia!
Que ao dizer da tirannica theoria,
Vós farieis a Carne triumphar!

Ah! Natureza, pois, se és criminosa,
E nos levam ao mal urnas da rosa,
Bom coração de Christo imaculado!...

MARGARIDA

Oh que formosos dias, Margarida!
    Esses da tua vida;
    E que nublados
    Meus dias desgraçados!

    Nasci tambem assim risonho e meigo,
    Mas hoje apenas chego
    O calix da ventura
    Á bocca ancioso,
    Torna-se a agua impura
    E o liquido que bebo
    Venenoso,
    Sim, venenoso o liquido que bebo.

Epilogo

Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vae-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara...
Meu coração, vamos sonhar...
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que elle era, estou massado,
Vi o que elle era, estou massado...
Não batas mais! vamos morrer...
Bati á porta da Ventura
Ninguem m'à abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura,
Vamos a ver se a sepultura
Nos faz o mesmo, coração!
Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!

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