Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora
Autor: Alberto Caeiro on Thursday, 29 November 2012
Escrito em 5-6-1922.
Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Escrito em 5-6-1922.
Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas--
Mais frescas que as manhãs finas d'Abril.
Levanta a alma ás cousas _visionarias_
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.
Pelas tardes das eiras--como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!
Vou sobre o Oceano (o luar de lindo enleva!)
Por este mar de Gloria, em plena paz.
Terras da Patria somem-se na treva,
Agoas de Portugal ficam, atraz...
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
Antonio, onde vaes tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ancia em que jaz...
Ó Luzitania que te vaes á vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ella...)
Na minha _Nau Catharineta_, adeus!
N'um sitio ameno
Cheio de rosas,
De brancos lyrios,
Murtas viçosas;
Dos seus amores
Na companhia
Dirceo passava
Alegre o dia.
Em tom de graça,
Ao terno amante
Manda Marilia
Que toque, e cante.
Péga na lyra,
Sem que a tempere,
A voz levanta,
E as cordas fere.
C'os doces pontos
A mão atina,
E a voz iguala
A voz divina.
Ella, que teve
De rir-se a idéa,
Nem move os olhos
De assombro chêa.
Senhor, assim que eu largar
A baetal fatiota minha,
Vou beijar as pias lágeas
Da vossa farta Cozinha;
Não foi attento Hespanhol,[10]
Receitando amarga quina,
Quem venceo meu mal co'as armas
Da fallivel Medicina;
[Nota de rodapé 10: Medico.]
Vós sabeis traçar receitas
Mais gratas, e mais felizes:
Curárão-me oppostos males
Bem applicadas Perdizes;
Humas o appetite abrírão,
Outras socêgo lhe dão;
Sarárão as duas chagas
Co'pêllo do mesmo cão:
Não te arrependas, Amada, porque a mim tão depressa
te deste!
Podes crer, nem por isso de ti penso coisas insolentes
e vis!
Vária é a acção das setas do Amor: algumas arranham,
E do rastejante veneno languesce pra anos o peito.
Mas, com penas potentes e gume afiado de fresco,
Outras penetram até ao tutano e rápido inflamam
Sob os feixos onde habitamn,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e quietos, meditam.
E assim permanecerão
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredão.
Do seu exemplo, tirae
Proveitoso ensinamento:
— Fugí do mundo, evitae
O bulício e o movimento...
Quem atrás de sombras vae,
Só logra arrependimento!
Trigueiro, negro, enfarruscado,
Sou o cachimbo d'um autor,
incorrigível fumador,
Que me tem já quase queimado.
Quando o persegue ingente dôr,
Eu, a fumar, sou comparado
Ao fogareiro improvizado
Para o jantar d'um lenhador.
Vae envolver-lhe a tova mente
O fumo azul e transparente
Da minha bôca em erupção...
A sua dor, prestes, se acalma;
Leva-lhe o fumo a paz á alma,
Vae Alegrar-lhe o coração!
Em teu corpo, lânguida amante,
Me apraz contemplar,
Como um tecido vacilante,
A pele a faiscar.
Em tua fluida cabeleira
De ácidos perfumes,
Onde olorosa e aventureira
De azulados gumes,
Como um navio que amanhece
Mal desponta o vento,
Minha alma em sonho se oferece
Rumo ao firmamento
Teus olhos que jamais traduzem
Rancor ou doçura,
São jóias frias onde luzem
O ouro e a gema impura.
Espirito Supremo, d'onde brota
A luz que eterna os mundos alumia,
E deixa pelo espaço uma harmonia
Echo da tua vóz!
Inspira-me a assistir, sereno e impavido,
Ao funebre ruiz do christianismo,
E d'este inevitavel cataclysmo
Salva-te a ti e a nós!