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LYRA XXI.

Não sei, Marilia, que tenho,
Depois que vi o teu rosto;
Pois quanto não he Marilia,
Já não posso ver com gosto.
    Noutra idade me alegrava,
Até quando conversava
Com o mais rude vaqueiro:
Hoje, ó bella, me aborrece
Inda o trato lizongeiro
Do mais discreto pastor.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de amor?

CARTA: _Pedindo-se ao Author huma Gloza_.

Menino, dizer finezas,
Só o proprio Pertendente;
Amor não póde imitar-se,
Só o pinta quem o sente;

Se adora alguma Nerina,
Se he para ella a tal Gloza,
Que vão fazer os meus Versos,
Onde está a sua proza?

Além disso, essa figura,
Faces tenras, e córadas,
Fallão mais discretamente,
Que mil Cantigas glozadas;

Lenço nas pontas bordado,
Cipó, tízicas fivellas,
Sobre hum corpo assim talhado,
Se eu gósto, que farão ellas?

Livro do Amor

O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros.
Apartamento faz uma secção.
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami! — mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

Perfume Exótico

Quando eu a dormitar, num íntimo abandono,
Respiro o doce olor do teu colo abrasante,
Vejo desenrolar paisagem deslumbrante
Na auréola de luz d'um triste sol de outono;

Um éden terreal, uma indolente ilha
Com plantas tropicais e frutos saborosos;
Onde há homens gentis, fortes e vigorosos,
E mulher's cujo olhar honesto maravilha.

Conduz-me o teu perfume às paragens mais belas;
Vejo um porto ideal cheio de caravelas
Vindas de percorrer países estrangeiros;

Hino à Beleza

Vens do fundo do céu ou do abismo, ó sublime
Beleza? Teu olhar, que é divino e infernal,
Verte confusamente o benefício e o crime,
E por isso se diz que do vinho és rival.

Em teus olhos reténs uma aurora e um ocaso;
Tens mais perfumes que uma noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca um vaso
Que tornam fraco o herói e a criança corajosa.

Cegueira Bendita

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

Não vejo nada, tudo é morto e vago...
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho...

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!...

Á HUMANIDADE

Estrellas que rolaes no espaço ethereo
      N'um vertice de luz vertiginoso,
      E em numero sem conta e sem repouso,
      De Deus cumpris altissimo mysterio!

      E vós flôres gentis, purpureas rosas,
      Roxas violetas, candidas boninas,
      Que abris, tomando formas peregrinas,
      Á luz do Sol as petalas mimosas:

                  Commigo erguendo a vóz
                  Ao throno da Verdade,
                  Saudae a Humanidade,
                  Que é mãe de todos nós!

Ritornello

(A ALBERTO REGO)

I

Doce era a voz do velho: o som do Nablo

Doce era a voz do velho: o som do Nablo
Sonoro: o céu sereno: clara a terra
Pelo brando fulgor do astro da noite:
E o propheta parou. Erguidos tinha
Os olhos para o céu, onde buscava
Um raio de esperança e de conforto:
E elle calára já, e ainda os ecchos,
Entre as ruinas sussurrando, ao longe
Íam os sons levar de seus queixumes.

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