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A LAMENTAÇÃO.

Como assim jaz e solitaria e quèda
Esta cidade outr'ora populosa!
Qual viuva ficou e tributaria
      A senhora das gentes.
Chorou durante a noite; em pranto as faces,
Sósinha, entregue á dôr, nas penas suas
Ninguem a consolou: os mais queridos
      Contrarios se tornaram.
Ermas as praças de Sião e as ruas,
Cobre-as a verde relva: os sacerdotes
Gemem; as virgens pallidas suspiram
      Involtas na amargura.
Dos filhos de Israel nas cavas faces
Está pintada a macilenta fome;

Á HORA DO SILENCIO

Eu quiz hontem sonhar, sentir como um romantico
A doce embriaguez do pallido luar,
Ouvindo em pleno azul passar o immenso cantico
Dos astros no seu giro e em sua luta o mar!

A cidade dormia o somno dos devassos;
Aquelle somno turvo, infecto e sensual:
E a lua, antiga fada, erguia nos espaços
Tranquilla e sempre ingenua a fronte de vestal!

*O OURO*

A Theophilo Braga

Dizia o ouro á pedra;--Ente mesquinho!
Que profundo scismar sempre te préga
Á beira d'uma estrada, ou d'um caminho,
Pasmada, mas sem ver, eterna cega?!

Em vão o orvalho a ti te lava e rega!
Em ti não cresce nunca pão, nem vinho,
Dura e inutil--o lodo é teu visinho,
E o homem só, por te pisar, t'emprega!

Em ti só medra e cresce o cardo os lixos!
Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bixos,
E ensanguentas os pés descalços, nus!

A Giganta

No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava {a terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d'uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d'uma rainha!

Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveis

Percorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E às vezes, no verão, quando no ardente solo

Maes, Vinde Ouvir!

Longe de ti, na cella do meu quarto,
Meu copo cheio de agoirentas fezes,
Sinto que rezas do Outro-mundo, harto,
Pelo teu filho. Minha Mãe, não rezes!

Para fallar, assim, ve tu! já farto,
Para me ouvires blasphemar, ás vezes,
Soffres por mim as dores crueis do parto
E trazes-me no ventre nove mezes!

Nunca me houvesses dado á luz, Senhora!
Nunca eu mamasse o leite aureolado
Que me fez homem, magica bebida!

A Beleza

De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor' de Carrara

Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.

O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..

A Teodoro de Banville

Por tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presenceia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufião de esquina.

Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.

O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!...
Acaso, do Centauro, a túnica sombria,
— Qie e, fúnebres caudais as velas transformava —

LYRA XIX.

Em quanto pasta alegre o manso gado,
Minha bella Marilia, nos sentemos
Á sombra deste cedro levantado.
    Hum pouco meditemos
    Na regular belleza,
Que em tudo quanto vive, nos descobre
    A sabia Natureza.

  Attende, como aquella vaca preta
O novilhino seu dos mais separa,
E o lambe, em quanto chupa a liza teta.
    Attende mais, ó chara,
    Como a ruiva cadella
Supporta que lhe morda o filho o corpo;
    E salte em cima della.

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