Geral

Luz d'intima influencia

    Luz d'intima influencia,
    Oh fugitiva luz!
    Luz cuja eterna ausencia
    É minha eterna cruz.

    Podessem-te, ainda antes
    Do meu extremo adeus,
    Meus olhos fluctuantes
    Vêr lampejar nos céos.

    Se ainda n'esse espaço,
    Tão longe onde tu vás,
    Visse um reflexo baço
    Da pura luz que dás;

    Tornaram-se-me estrellas
    As lagrimas de dôr;
    E lagrimas são ellas...
    Sim, lagrimas d'amor!

CARTA: _No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja D. Jozé de Noronha, estando o Author doente_.

Senhor, se vos são acceitos
Pobres Versos, mal limados,
Entre vidros, e receitas,
Em triste leito traçados;

Se de hum sombrio doente
A fúnebre poezia
Os prazeres não perturba
Deste faustissimo Dia;

Consenti, que a branda Lyra,
Por vós outr'ora escutada,
E que teimoza molestia
Tem ha muito pendurada;

Sobre este cansado peito,
Ferida com debil mão,
Mande ao Ceo singelos hymnos,
Nascidos do coração;

*No confissionario*

     

      D'um frade libidino e bronzeado
      Ortego desenhou o rosto bento,
      Grave ausculta no sexto mandamento
      Uma joven do seculo passado;

      Fascinada respira o ar mesclado
      Das lascivas perguntas de convento,
      Que se aproveitam do veloz momento
      Galopando na senda do peccado.

      A pobre flôr arqueja palpitante
      Sob esse olhar, que vae como despil-a
      Mystico, corrompido e triumphante.

E Quando de Dia a Lonjura

E quando de dia a lonjura dos montes
Azuis atrai a minha saudade,
E, de noite, as estrelas desmedidas
Esplendorosas ardem sobre a minha cabeça

Todos os dias e todas as noites
Assim celebro o destino do homem:
Se ele a pensar alcançar sempre o justo,
Para sempre terá a beleza e a grandeza.

Inter-Sonho

Numa incerta melodia
Tôda a minh'alma se esconde
Reminiscencias de Aonde
Perturbam-me em nostalgia...

Manhã d'armas! Manhã d'armas!
Romaria! Romaria!

. . . . . . . . . . . . . . .

Tacteio... dobro... resvalo...

. . . . . . . . . . . . . . .

Princesas de fantasia
Desencantam-se das flores...

. . . . . . . . . . . . . . .

Que pesadêlo tão bom...

. . . . . . . . . . . . . . .

Pressinto um grande intervalo,
Deliro todas as côres,
Vivo em roxo e morro em som...

Versos

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma...

Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!... Sei eu lá também que são...
Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez...

A Negra Fúria Ciúme

Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.

Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.

Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.

Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.

Era loucura ou sonho? Entre as tristezas

Era loucura ou sonho? Entre as tristezas
E os terrores e angustias, que resume
Neste dia e logar a avi­ta crença,
Irresisti­vel força arrebatou-me
Da sepultura a devassar segredos,
Para dizer:--Tremei! Do altar á sombra
Tambem ha mau-dormir de somno extremo!»--

Eu tive um sonho estranho...

Eu tive um sonho estranho: ouvi que vou dizel-o.
Era em praia dezerta, em frente a um longo mar:
Nos céos havia a nevoa, a mãe do Pezadêlo,
E o vago, o incerto, o informe em tudo a oscillar!

De subito surgiu, na praia, uma criança
D'olhar profundo e bom, d'angelica expressão,
E o mar contemplou com tanta confiança
Que nem que visse n'elle o berço d'um irmão!

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