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AMOR E PROVIDENCIA

      Em quanto eu, alta noite, velo e lido,
      Por vós mantendo innumeros cuidados,
      Dormis, caros filhinhos, socegados
      Em torno a mim o sonho appetecido!

      Dormis?! sonhaes de certo... e eu pae envido
      Meus esforços por vêr realisados
      Vossos sonhos gentis e perfumados:
      Ampara-vos um peito estremecido.

      Outro Alguem faz por nós o que eu vos faço:
      Com suprema bondade e sapiencia,
      Rege os mundos que rolam pelo espaço!

A CRUZ E O PÁRA RAIOS

      Da velha cathedral, esbella e rendilhada,
      Votada a ser mansão do Deus, author do mundo,
      Na flecha a mais gentil, campeia abençoada
      A cruz do Redemptor, da Gallilêa o oriundo!

      Nos impetos da fé, cortantes como a espada,
      O ungido do Senhor, d'olhar cavo e iracundo,
      Aponta á multidão, humilde e ajoelhada,
      Por seu supremo amparo a cruz, no azul profundo!

*CANTIGA DO CAMPO*

Como eu adoro as tuas «simplicidades!»
     (Heine)

Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!

Quando entre as mais raparigas
Vaes cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noutes claras!

Os que andam na descamisa
Gabam a violla tua,
Que, ás vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.

Á Luz de Lua!

Iamos sós pela floresta amiga,
Onde em perfumes o luar se evola,
Olhando os céus, modesta rapariga!
Como as crianças ao sair da escola.

Em teus olhos dormentes de fadiga,
Meio cerrados como o olhar da rola,
Eu ia lendo essa ballada antiga
D'uns noivos mortos ao cingir da estola...

A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,
Cobria com os seus os teus cabellos
E dava-te um aspeto de velhinha!

Ó Virgens!

Ó virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar...

Cantae-me, n'essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!

Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzões antigas

Que eu vi morrer n'um sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n'essa voz... Cantae!

O Azar

Com peso tal, não me ajeito;
Dá-me, Sísifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte é larga e o Tempo Estreito.

Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh'alma , tambor funereo,
Vai rufar trechos magoados.

— Há muitas jóias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde não chega o alvião;

Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidão

 

LYRA XII.

Topei hum dia
Ao Deos vendado,
Que descuidado
Não tinha as settas
Na impia mão.
    Mal o conheço,
Me sóbe logo
Ao rosto o fogo,
Que a raiva accende
No coração.

  _Morre, Tyranno,
Morre, inimigo_!
Mal isto digo,
Raivoso o apérto
Nos braços meus.
    Tanto que o moço
Sente apertar-se,
Para salvar-se
Tambem me aperta
Nos braços seus.

ETERNIDADE

    Inferno e céo, conforme
    A nossa fé, confesso
    Que é um mysterio enorme,
    É um mysterio immenso.

    Mas um mysterio é tudo:
    Folhinha d'herva, e estrella,
    Não ha comprehendêl-a!
    É contemplal-a mudo.

    E a herva, como existe,
    A mim quem m'o diria,
    Se a luz que me alumia
    Nem sabe em que consiste?

    Mas uma coisa sabe
    O que a cabeça ignora
    --O coração... que mora
    Em peito onde não cabe.

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