A***
Autor: Soares de Passos on Monday, 19 November 2012
Em nome daquele que a Si mesmo se criou!
De toda eternidade em ofício criador;
Em nome daquele que toda a fé formou,
Confiança, actividade, amor, vigor;
Em nome daquele que, tantas vezes nomeado,
Ficou sempre em essência imperscrutado:
Foi este o ditozo dia,
Que te deo a Espoza bella;
Doce, sólida alegria,
Para ti, junto com ella,
No mesmo berço nascia;
Por tua maior ventura,
Natureza lhe quiz pôr,
Entre os Dons da Formozura,
Outro dote inda maior,
Que he, alma innocente, e pura;
Eu sei teu costume antigo,
A Mulher, que he só formoza,
Não vale tudo comtigo;
Soubeste escolher Espoza,
Em quem tens Espoza, e Amigo;
Faiscam os jaezes dos Cavallos,
Vibra o som dos clarins pela athmosphera;
No dorso de elephantes reverbéra
A seda e prata em crebros intervallos.
Rodeado de innumeros vassallos
Intrepido radjah de côr austera
Busca o tigre e leão, onça e panthera
Crusando as selvas, e galgando os vallos.
No cerrado paul ondula a brenha
E um leão de medonha, hirsuta juba
Em furioso valor se desentranha.
De um pequeno degrau dourado -, entre os cordões
de seda, os cinzentos véus de gaze, os veludos verdes
e os discos de cristal que enegrecem como bronze
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas
de prata, de olhos e de cabeleiras.
Peças de ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas,
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis
rodeiam a rosa d'água.
No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!
A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!
Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!
Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!
Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!
Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...
Jurou-me eterno amor. A noite ia cahindo.
E, entre outras phantasias,
Eu disse-lhe sorrindo:
Se Deus surgisse agora, aqui, perante nós
O que é que lhe dizias?
--Que nos deixasse sós...
E seguia a visão.--Do templo á esquerda,
Méstas as faces, inclinada a fronte,
Da noite as larvas tinham sobre o sólo
Fito o espantado olhar, e as dilatadas
Baças pupillas lhes tingia o susto.
Mas, como zona lucida de estrellas,
Nessa atmosphera crassa e afogueada
Pela espada rubente, refulgiam
Da direita os espiritos, banhado
De inenarravel placidez seu gesto.
Era inteiro o silencio, e no silencio
Uma voz resoou--Eleitos vinde!--
Ide precítos!»--Vacillava a terra,