Geral

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.

Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.

O silêncio, ao redor, é uma asa quieta...
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta...

Sem palavras

Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas,
Hão de pousar em tuas mãos, as minhas
Numa carícia transcendente e vã.

E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.

Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!

E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!...

Era ainda a visão,--Do templo em meio

Era ainda a visão,--Do templo em meio
Do anjo da morte a espada flammejante
Crepitando bateu. Bem como insectos,
Que á flôr de pego pantanoso e triste
Se balouçavam--quando a tempestade
Veiu as azas molhar nas aguas turvas,
Que marulhando sussurraram--surgem
Volteando, zumbindo em dança douda,
E lassos, vão pousar em longas filas
Nas margens do paul, de um lado e de outro;
Tal o murmurio e a agitação incerta
Ciciava das sombras remoinhando
Ante o sopro de Deus. As melodias

Em wagon

A chaminé vomita fumarada.
A machina assobia: parto emfim.
Na _gare_, ao longe, a minha namorada
Agita o lenço branco para mim.

Como rectas traçadas a namkim,
Sobre um fundo ceruleo de aguada,
Vejo no espaço nitidas, assim,
As linhas telegraphicas da estrada.

O sol, hostia de luz resplandecente,
Vae-se elevando gloriosamente
Na abobada vastissima dos ceus

E dois choupos batidos pelo vento
Curvam-se num ligeiro cumprimento,
Cerimoniosos, a dizer-me adeus...

SURSUM CORDA!

      Oh Sol, alma do mundo! esplendido portento
      D'um mar feito da luz! vulcão, cuja fornalha,
      Por entre um fogo eterno, expande o movimento
      Da machina febril do mundo que trabalha!

      E tu, Astro do amor, que, em noite silenciosa,
      Qual perola engastada em fulgidos brilhantes,
      Derramas tua luz serena e voluptuosa
      Nos seios virginaes das timidas amantes:

Quando Martha morrer...

Quando Martha morrer, depois do extremo arranco,
Não tratem d'orações;
Desprendam-lhe o cabello o vistam-a de branco
Á moda das visões.

Desejo vel-a então passar d'esta maneira
Depois de tal revêz,
Por entre a chama azul e tenue da poncheira
No fumo dos cafés.

Áquelle bom paiz das pallidas chymeras,
Monotonia azul;
Não temam que ella vá no fogo das espheras
Queimar o véu de tulle.

*A BELLA FLOR AZUL*

Quem saberá «signora» d'onde terá nascido esse bello lyrio branco?
     (Velha Comedia Italiana)

Eu não sou o fatal e triste Baudelaire;
Mas analyso o Sol e decomponho as rosas,
As rijas e crueis dahlias gloriosas,
--E o lyrio que parece o seio da mulher.--

Tudo que existe ou foi, morre para nascer;
Na campa dão-se bem as plantas graciosas,
E, um dia, na floresta harmonica das Cousas,
Quem sabe o que serei quando deixar de ser!

Ai de Mim!

Venho, torna-me velho esta lembrança!
D'um enterro d'anjinho, nobre e puro:
Infancia, era este o nome da criança
Que, hoje, dorme entre os bichos, lá no escuro...

Trez anjos, a Chymera, o Amor, a Esperança
Acompanharam-n'o ao jazigo obscuro,
E recebeu, segundo a velha usança,
A chave do caixão o meu Futuro.

Hoje, ambulante e abandonada Ermida,
Leva-me o fado, á bruta, aos empurrões,
Vá para a frente! Marcha! Á Vida! Á Vida!

Natal d'um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n'uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D'essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Prologo

Em hora de afflicçãô, molhei a penna
Na chaga aberta d'esse corpo amado,
Mas n'uma chaga a suppurar gangrena,
Cheia de puz, de sangue já coalhado!

E depois, com a mão firme e serena,
Compuz este missal d'um torturado:
Talvez choreis, talvez vos faça pena...
Chorae! que immenso tenho eu já chorado.

Abri-o! Orae com devoção sincera!
E, à leitura final d'uma oração,
Vereis cair no solo uma chymera...

Pages