Geral

O VELHO CÃO

Soltava hontem já tarde um velho cão felpudo
Uns doloridos ais,
Em frente d'um palacio altivo, bello e mudo,
Cerrado aos vendavaes.

Fazia pena ouvil-o, o misero mollosso
Em seu triste chorar!
Era quasi uma sombra: apenas pelle e osso
E um vago, um doce olhar!...

Eis a sorte cruel do pobre que não come,
Dos miseros sem pão!
Em paga ainda em cima os vae tragando a Fome,
A negra apparição!

*NO CALVARIO*

Maria com seus olhos magoados,
Ceus espirituaes, lavava em pranto
As largas chagas de Jesus, emquanto
Ria ao pé um dos tres crucificados.

Semblantes de mulher mortificados
Escondiam a dôr no casto manto;
Uma mulher d'Hennon chorava a um canto,
Jogavam sobre a tunica os soldados.

Martha, os pingos de sangue, alva açucena,
Dir-se-hia no bom seio recolhel-os;
Alguns riam brutaes d'aquella pena!...

Sê de Pedra!

Não reparaste nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegraphicos da estrada,
Cantam as aves, desde que o sol nada,
E, á noite, se faz sol a lua cheia...

No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vae, n'uma ancia alada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, ás vezes, d'além-mar anceia:

--Revolução!--Inutil.--Cem feridos,
Setenta mortos.--Beijo-te!--Perdidos!
--Emfim, feliz!--?--!--Desesperado.--Vem!

LYRA XXI.

Não sei, Marilia, que tenho,
Depois que vi o teu rosto;
Pois quanto não he Marilia,
Já não posso ver com gosto.
    Noutra idade me alegrava,
Até quando conversava
Com o mais rude vaqueiro:
Hoje, ó bella, me aborrece
Inda o trato lizongeiro
Do mais discreto pastor.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de amor?

CARTA: _Pedindo-se ao Author huma Gloza_.

Menino, dizer finezas,
Só o proprio Pertendente;
Amor não póde imitar-se,
Só o pinta quem o sente;

Se adora alguma Nerina,
Se he para ella a tal Gloza,
Que vão fazer os meus Versos,
Onde está a sua proza?

Além disso, essa figura,
Faces tenras, e córadas,
Fallão mais discretamente,
Que mil Cantigas glozadas;

Lenço nas pontas bordado,
Cipó, tízicas fivellas,
Sobre hum corpo assim talhado,
Se eu gósto, que farão ellas?

Livro do Amor

O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros.
Apartamento faz uma secção.
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami! — mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

Perfume Exótico

Quando eu a dormitar, num íntimo abandono,
Respiro o doce olor do teu colo abrasante,
Vejo desenrolar paisagem deslumbrante
Na auréola de luz d'um triste sol de outono;

Um éden terreal, uma indolente ilha
Com plantas tropicais e frutos saborosos;
Onde há homens gentis, fortes e vigorosos,
E mulher's cujo olhar honesto maravilha.

Conduz-me o teu perfume às paragens mais belas;
Vejo um porto ideal cheio de caravelas
Vindas de percorrer países estrangeiros;

Hino à Beleza

Vens do fundo do céu ou do abismo, ó sublime
Beleza? Teu olhar, que é divino e infernal,
Verte confusamente o benefício e o crime,
E por isso se diz que do vinho és rival.

Em teus olhos reténs uma aurora e um ocaso;
Tens mais perfumes que uma noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca um vaso
Que tornam fraco o herói e a criança corajosa.

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