a motoreta bravia
Autor: António Tê Santos on Monday, 4 December 2023transporto comigo as agruras para as examinar através da poesia; para as retinir nos terrenos adulterados da existência; para as sublimar através das minhas fantasias.
transporto comigo as agruras para as examinar através da poesia; para as retinir nos terrenos adulterados da existência; para as sublimar através das minhas fantasias.
possuo uma armadura que me resguarda dos temores; sustento uma robustez que expulsa as minhas alucinações; instalo a minha têmpera poética numa redoma inquebrantável; vagueio pelos lugares acrisolados que sufragam o meu destino.
a malvadez enraíza-se no patamar álgido das nossas turbações; nas futilidades que rodeiam os nossos antagonismos; nos dilemas que sustentam os nossos ódios exacerbados; nos contextos promíscuos das nossas vidas.
deixo que as minhas palavras obstruam as guerrilhas torpes que descambam em sofrimento; deixo que elas aplaquem os meus transtornos para que eu possa legar aos outros a genuinidade das minhas reflexões.
a paisagem que vislumbro produz os meus desarranjos emocionais; os malbaratados talentos na orla dos meus insucessos; as farpas que inscrevo na minha poesia; as palavras desafáveis que modelam a minha compleição.
inebrio-me com a poesia que espairece os meus sintomas desequilibrados; que desentrelaça os fios de saliva que me prendem às afligidas lembranças; que transporta toda a casta de flores odoradas pelo meu guarnecido presente.
desenrolo noções que se expandem pelas grutas do saber até gerarem o bem-estar; até persistirem nos exemplos que derivam das minhas crenças e dos meus méritos; até verterem a minha existência num paraíso abrangente.
a névoa atesta o nosso quotidiano quando os impropérios nos martirizam; quando a mentira se implanta no cerne das nossas desilusões; quando os discursos ultrapassados nos forçam a retroagir até ao pedestal da agonia.
espalho as desarmonias no patamar da iniquidade quando elas molestam a minha existência; quando elas excitam os sintomas irascíveis do meu temperamento; quando elas retardam o exercício da minha razão.
Sou espelho de imagens desiguais.
Estou atrelado a indagações que nem sempre procedem.
Aflijo-me diante da árdua tarefa de enumerar as estrelas de um céu transitório.
Muitas vezes, perco-me em suposições que desconheço.
Faço forte todo clamor por dias melhores.
E, antes de julgar, procrastino toda a questão, para precaver-me do engano.