alcanço o bem-estar quando municio a esperança com as minhas poses benevolentes; quando transfiro para as minhas ambições uma serenidade que perdura; quando renovo os cânticos que enunciam a minha determinação.
oponho-me àqueles que glorificam o amor como se ele pudesse sanar as nossas desventuras; ou como se ele fosse uma sentinela atenta aos nossos estertores emocionais; ou aos percalços das nossas vidas.
escrevo poesia para combater os fardos que oprimem a minha vida; para difundir as minhas peregrinações ao cerne da meninice; para reprovar com uma terminologia acutilante a ruindade das pessoas.
recolho da vida a ênfase que busquei nos meandros das minhas inócuas ambições: no empenhamento literário; nas reprimendas constantes às sociedades; nas crises existenciais que me flagelaram; na impiedade da humana condição.
recordo os meus adejos sobre os lugares formosos onde os mitos se difundiam: onde as mágoas retorcidas já não transtornavam o meu destino; onde as dúvidas caloiras já não confundiam as minhas reflexões.
a ordenação que nos rodeia cai na sordidez porque moderniza o desespero das pessoas; porque converte as suas vidas em sustentáculos duma miséria que atordoa; que menospreza a sua sensibilidade.
sou daqueles que investigam a verdade para a expor num mundo constrangido por juízos simulados; por atitudes delirantes onde se topa a miséria e o enfado; onde uma mórbida estrutura nos consegue alienar.
recolho a ternura que me circunda para odorar o mundo através dos meus discursos poéticos; através de conjeturas refutáveis que se engastam nas fúteis sociedades; que escapam à vigilância da trivial compreensão.
oiço praguejar nos locais excêntricos onde os misantrópicos se acoitam; onde contestam o fadário que os consome e os avilta; onde desde há muito que não choram porque as lágrimas abandonaram as suas desalentadas emoções.
amanhecerá
entre a penumbra de um dia e outro
o ruído do silêncio fazendo eco na madeira dos móveis
o criado-mudo tão mudo quanto antes
estático na sua velha roupagem de verniz vencido
— o tempo deixa marcas me disse, mudamente
— e eu que achava que não... sorri sardônicamente
silêncio lá fora. barulho lá dentro
o vento soprando as horas como se o tempo fosse vela
entre um silêncio e outro [o ruído do tempo]
esse barulho que não passa... virá de fora ou virá de dentro?
