Soneto

Barco Encalhado

Vês-me, tal como eu sou, velho e usado,

Já não me dás valor nem atenção,

As rugas, as brancas e a lentidão

Afastam-te deste barco encalhado.

 

Isolaste-me da tua sociedade,

Sem eu ser assassino nem ladrão

Enclausuraste-me nesta prisão,

Lixeira de cadáveres adiados.

 

Também eu já tive a tua juventude,

Também esse teu  mundo já foi meu

E eu, por ele, fiz o melhor que pude.

 

Ajuda quem ainda não faleceu,

Lembra-te que eu fui jovem como tu

E que tu serás idoso como eu!

Alvorecer

   Alvorecer

Alvorecer místico ! Só em contos !

O sol desponta entre a bruma d' aurora.

Resplandece entre contornos dos montes,

Vai trazendo o calor...que já demora !...

 

Eleva-se devagar, rumo ao céu !

Rouba as trevas, escuridão, o breu.

Lança seus raios e à terra os conduz,

Abraça os girassóis que pedem luz.

 

É esta natureza infindável,

De secreto segredo,insondável,

Qu' afiança a minha fragilidade !...

 

E eu hei-de partir, contrariada !...

INSTANTE

    INSTANTE

 

Há um sopro de vida a cada instante.

Num ato de amor se cria uma vida !

Mas, um só instante é já o bastante,

Para que a vida esteja de partida.

 

Infância... Passageira...um instante...

Juventude...Que se vive de fugida.

Brota...logo se escoa, estonteante...

Na curva, já se vê o fim à vida.

 

Instante ! O mundo é devastação !

Inventa-se guerra...se ela convém !

Instante ! É dor...é a desolação !

 

Estamos bem. Plenos de inspiração !...

Agonia

Agonia

 

 

 

 

Insisto no poema, que contudo se emudece,

Cala-se no tempo que passa,

O estro, antes vivo, derrotado fenece

Num estretor óbvio que fracassa

 

A agonia é provocada pelo quotidiano real,

E nem invocando musas ou o passado

Se aguenta a composição escrita, afinal,

Jazendo esmagada, do acosso azarado

 

Salvar-se...o improviso a teimar...

Na luta contra os espinhos do concreto,

Nesta flor que se quer eternizar

 

Praia de fantasia

Descalça caminho na praia da fantasia
Divagando ao sabor das ondas do desejo
Completamente entregue a elas, embatendo na falésia
Suspirando por noticias como do farol o lampejo.

Olho o céu azul e nada vejo
Mas tudo existe, além do vazio horizonte
A Lua nua dança num festejo
E o Sol desce a poente...

O vento sopra sereno como bocejo
As nuvens desenham um azulejo
E as gaivotas poisam na areia com cortesia!

Marinheiros desfilam em cortejo
Sereias cantam em solfejo
Nas madrugadas frias de maresia...

SUCO DA VIDA

Traga-me um bom vinho ou qualquer coisa equivalente

Tragam-me dos ovos que se chocam sem um ninho

Tragam-me uma rosa ou até mesmo só um linho

Tragam-me um bom fruto nem que seja só a semente

 

Tragam-me um arbusto ou só um ramo de azevinho

Tragam-me um desejo ou só a vontade mais ardente

Tragam-me um espelho mesmo que seja transparente

Esqueçam tudo isso e só me tragam mesmo o vinho

 

E nas sombras dessa chama embriaga de amor

Onde brotam nossos pés já sem força ou equilíbrio

UM PASSO E OUTRO PASSO E ENTÃO SE FORMA UMA CANTIGA

Um passo e outro passo e então se forma uma cantiga

Por sob a luz do sol e por sobre a terra fria

Minha mão em tua cintura um mais que belo sonho cria

Na imagem da esperança a companheira mais antiga

 

A luz de tantos olhos nada mais contentaria

Não a nossa valsa, amiga ou inimiga

Na voz de tantas frases nada mais há que se diga

Nem o tom do nosso amor, nem o toque de alegria

 

Mas o que há por sobre o mundo que se dê maior valência

Quando vejo os teus olhos, quando sinto tua mão

ONDE NASCE UMA POESIA SEMPRE COMO POESIA VIVERÁ

Não me venhas de teu mundo que fulguras de anil

Pretendendo que eu vislumbre esse teu cântico naufrágio

Ao som das vozes tão vorazes que soletram nosso adágio

E por fim se dilaceram como um verbo mais senil

 

Não me digas que é honesto o teu folclórico sufrágio

Nem imponhas ao bom grado o que de fato seja vil

Velejando as correntezas que espargem cantos mil

Que não trazem mesmo nada e nem se alinham em presságio

 

Não me digas que é certeza o que não tem explicação

Brumas do desejo

Se teu corpo é a única Ilha no oceano
Como poderei eu não o desejar?
Quando à minha volta tudo é insano
E o meu coração, ninguém sabe amar!

Se a Lua se esconder em teu olhar
Como poderei eu encontra-la?
Quando a caravela no gelo encalhar
E a neblina teimar em abraça-la!

Como chá calmante de erva-cidreira
Anseio beber dos teus lábios um doce néctar
E, em teu coração mergulhar como numa banheira…

A brisa do desejo

Eu queria ser: a essência do teu perfume
A flor de pétalas coloridas da tua vida
Na tua lareira, ser brasa, ser lume
E, no teu cálice, uma sumptuosa bebida!

Na galáxia do teu Universo, a estrela mais brilhante
A luz do luar que entra pela tua janela
Nos teus braços, voluptuosa amante
Sob o reflexo cintilante da luz de uma vela!

Eu queria ser: em tua alma, a brisa fresca da aurora
No teu rosto, um jardim de sorrisos
E, na tua pele, carícia suave a qualquer hora.

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