roça-me a pele

a cerviz do alvorecer

com seus tenazes tentáculos

de euforia

rondam-me espectros

de pássaros e flores

devorando a manhã

com avidez primaveril

-como manter-me intacto

no antro da terra

sem aviltar, contudo

esse enleio incontido?

os meus dissabores foram transformados em obstáculos angustiantes; em ideias obsessivas que ecoaram nos meus fracassos persistentes; em vocábulos que foram absorvidos pela minha poesia; em anseios frustrados que caminharam lado a lado com a loucura.

enrubesço quando observo os rodopios mundanos: os eventos corrompidos pelos seus tumultos cruéis; os seus ardis que ludibriam as pessoas incautas; a falsidade que existe nos seus manifestos eminentes.

a poesia inibe a malvadez porque suplanta os dogmas da convivência; porque expulsa os antagonismos para uma vala comum; porque amplia a sua pujança quando investe contra os ventos dominantes.

examino os destemperos que pratiquei durante a minha prolongada inocência; os desejos pueris que desenvolvi a partir do carisma emocional; as tarefas penosas que efetuei na penumbra ascética onde habito.

o rosto se fixa no latifúndio

de sua fundura

resvala na entranha do poço

e retine o sino dos cães

calmamente observa o luar

e pleiteia o riso da lua

desfaz o sono do fogo

e adia o próximo lugar

para seus novos caminhos

vigia o orvalho

como se não houvessem sentinelas

como se os lustres fugissem

de seus sustentáculos

para nos nortear

feito guias

solenemente invulgares