Casamento arranjado

Separamo-nos como joio e trigo.
Feito casaco a adornar todo o corpo,
vestindo das mãos aos pés, me intrigo:
grudados, mas a mim, tornou-se estorvo.

A aliança afirmando compromisso
é similar ao olho negro dum corvo:
fita a pele da caça, e seu inimigo
estará à mostra o coração e o torso.

O que tornamo-nos? Romeu e Julieta?
Um par de roedores, porco-espinho
mas sem espinho de porco ou de vespa.

ANSEIO

 

 

 

 

eu nunca ignorei os tropeços

que me ergueram do solo

 

eu nunca desejei uma glória

que não fosse conquistada

 

eu nunca cultuei ilusões

sem prévia reflexão

 

eu nunca lancei impropérios

contra minha própria sorte

 

eu nunca mudei de endereço

para não negligenciar meus desígnios

 

e o que me sustém de fato

é um excelso anseio de viver

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mágoa

A mágoa despreza a simpatia,
onde só há desgraça e rispidez,
o mundo do caos tornar-se-ia
o local onde os fracos não têm vez.

Ansiedade, dor e idolatria
resume toda a forte liquidez,
o homem então se cobriria
se adornado à voz da sensatez:

O amor já é inútil nessa via,
talvez pense que é estupidez,
e se nem isso você me confia
a mágoa não lhe será cortês.
  

Pedra

Um menino lança a pedra n’água,
donde quica mil vezes no rio,
cada batida rasga com o vento
a vida da pedra e su’alma.

O quique é um passar de hora,
longínqua hora e minutos,
tempo entendiando o menino,
mas que afunda a pedra agora.

A noite fria se aproxima,
e o rio escuro reflete a lua,
o garoto deixa a cena
e a pedra, não mais se via.

Pages