O meu olhar é nítido como um girassol
Autor: Alberto Caeiro on Sunday, 30 December 2012
O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e a esquerda
O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e a esquerda
Pelas espadas que tu tens no peito,
Pelos teus olhos rôxos de chorar,
Pelo manto que trazes de astros feito,
Por esse modo tão lindo de andar;
Por essa graça e esse suave geito,
Pelo sorriso (que é de sol e luar)
Por te ouvir assim sobre o meu leito,
Por essa voz, baixinho: «Ha-de sarar...»
Por tantas bençãos que eu sinto n'alma,
Quando chegando vens, assim tão calma,
Pela cinta que trazes, côr dos ceus:
Saudade não é palavrão,
É palavra sem tradução,
É sentimento voraz
Que sempre se mostra capaz
De tolher-nos a razão,
De partir o coração
Se continuas ausente
E carente, me deixas doente!
Saudade não é prosa,
É poesia amorosa,
É dor contada em letras
Por canetas de poetas,
_Á Leo_
Ao charco mais escuso e mais immundo
Chega uma hora no correr do dia
Em que um raio de sol, claro e jocundo,
O visita, o alegra, o alumía;
Pois eu, nesta desgraça em que me afundo,
Nesta contínua e intérmina agonia,
Nem tenho uma hora só dessa alegria
Que chega ás coisas infimas do mundo!...
Deus meu, acaso a roda do destino
A movimentam vossas mãos leaes
Num aceno impulsivo e repentino,
Adeus tranças côr de oiro,
Adeus peito côr de neve!
Adeus cofre onde estar deve
Escondido o meu thesoiro!
Adeus bonina, adeus lirio
Do meu exilio d'abrolhos!
Adeus oh luz dos meus olhos
E meu tão dôce martyrio!
Desfeito sonho doirado,
Nuvem desfeita de incenso,
Em quem dormindo só penso,
Em quem só penso acordado!
Visão sim mas visão linda!
Sonho meu desvanecido!
Meu paraiso perdido
Que de longe adoro ainda!