CARTA: _No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja D. Jozé de Noronha, estando o Author doente_.

Senhor, se vos são acceitos
Pobres Versos, mal limados,
Entre vidros, e receitas,
Em triste leito traçados;

Se de hum sombrio doente
A fúnebre poezia
Os prazeres não perturba
Deste faustissimo Dia;

Consenti, que a branda Lyra,
Por vós outr'ora escutada,
E que teimoza molestia
Tem ha muito pendurada;

Sobre este cansado peito,
Ferida com debil mão,
Mande ao Ceo singelos hymnos,
Nascidos do coração;

*No confissionario*

     

      D'um frade libidino e bronzeado
      Ortego desenhou o rosto bento,
      Grave ausculta no sexto mandamento
      Uma joven do seculo passado;

      Fascinada respira o ar mesclado
      Das lascivas perguntas de convento,
      Que se aproveitam do veloz momento
      Galopando na senda do peccado.

      A pobre flôr arqueja palpitante
      Sob esse olhar, que vae como despil-a
      Mystico, corrompido e triumphante.

E Quando de Dia a Lonjura

E quando de dia a lonjura dos montes
Azuis atrai a minha saudade,
E, de noite, as estrelas desmedidas
Esplendorosas ardem sobre a minha cabeça

Todos os dias e todas as noites
Assim celebro o destino do homem:
Se ele a pensar alcançar sempre o justo,
Para sempre terá a beleza e a grandeza.

Assim, minha tristeza voltando sempre...

Assim, minha tristeza voltando sempre, e me achando mais perdida aos meus olhos - como a todos os olhos que quisessem me encarar, se eu não tivesse sido condenada para sempre ao esquecimento de todos! - eu tinha cada vez mais fome de sua bondade. Com seus beijos e abraços amigos, era mesmo um céu, um escuro céu, onde eu entrava, e onde gostaria de ser deixada, pobre, surda, muda, cega. Já eu me acostumava. Eu nos via como duas boas crianças, livres para passear no Paraíso de tristeza.

A Fé que me Obriga a Tanto Amar-vos

Dai-me ũa lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sob pena de enojar-vos;
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos
Fará que fique em lei de obedecer-vos.

Tudo me defendei, senão só ver-vos
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que se assim não chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.

E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida não consente,
Dai-ma, Senhora, já, seja de morte.

Inter-Sonho

Numa incerta melodia
Tôda a minh'alma se esconde
Reminiscencias de Aonde
Perturbam-me em nostalgia...

Manhã d'armas! Manhã d'armas!
Romaria! Romaria!

. . . . . . . . . . . . . . .

Tacteio... dobro... resvalo...

. . . . . . . . . . . . . . .

Princesas de fantasia
Desencantam-se das flores...

. . . . . . . . . . . . . . .

Que pesadêlo tão bom...

. . . . . . . . . . . . . . .

Pressinto um grande intervalo,
Deliro todas as côres,
Vivo em roxo e morro em som...

Versos

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma...

Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!... Sei eu lá também que são...
Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez...

A Negra Fúria Ciúme

Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.

Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.

Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.

Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.

Pages