Mas troa a voz do monge, e, emfim, desperto

Mas troa a voz do monge, e, emfim, desperto
O coração bateu. Eia, retumbem
Pelos ecchos do templo os sons dos psalmos,
Que em dia de afflicção ignoto vate
Teceu, banhado em dôr. Talvez foi elle
O primeiro cantor que em varias córdas,
Á sombra das palmeiras da Iduméa,
Soube entoar melodioso um hymno.
Deus inspirava então os trovadores
Do seu povo querido, e a Palestina,
Rica dos meigos dons da natureza,
Tinha o sceptro, tambem, do enthusiasmo.
Virgem o genio ainda, o estro puro

Carmen

Sobre as dobras rendadas da mantilha
Brilham-te, como soes em pleno dia,
Os olhos mais galantes de Sevilha
Na fronte mais gentil d'Andaluzia.

A tua voz ao som da guitarrilha
Tem vibrações extranhas d'harmonia.
Ninguem canta melhor a seguidilha
N'esse paiz do Amor e da Alegria.

Nas voltas caprichosas do _bolero_
Não tens rival em graça e em _salero_
Carmen gentil, oh flôr das hispanholas!

Tu fazes-me o effeito inebriante
Dos vinhos de Xerez e de Alicante
Quando bailas ao som das castanholas!

O GRANDE TEMPLO

Eu não trajo o burel do magro cenobita
Nem me posso infligir crueis macerações;
Mas não rio d'alguem que busca a paz bemdita
No seio casto e bom das grandes solidões.

Bem sei que ha na montanha aromas penetrantes
E certas vibrações que podem fazer mal;
Mas se é preciso Deus, direi que é melhor antes
Amal-o com fervor no templo universal!

Em quanto sobre o altar das serras azuladas
Mil lampadas do céo derramam toda a luz,
Nas velhas cathedraes, já meio arruinadas,
O Tempo,--o grande verme!--até devora a cruz!

*ACCUSAÇÃO Á CRUZ*

Ainsi lirat-il les artiques vérités, les tristes vérités, les
    grandes, les terribles vèrités.
    (De Quincey)

Ha muito, ó lenho triste e consagrado!
Desfeita podridão, velho madeiro!
Que tens avassalado o mundo inteiro,
Como um pendão de luto levantado.

Se o que foi nos teus braços cravejado
Foi realmente a Hostia, o Verdadeiro,
Elle está mais ferido que um guerreiro
Para livrar das flexas do Peccado.

Que Aborrecido!

Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a bocca a bocejar sombrios:
Deslizam vagarozos, como os rios,
Succedem-se uns aos outros, egualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pallido sempre com os labios frios,
Oro, desfiando os meus rozarios pios...
Fôra melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter, como têm os mais rapazes,
Olhos boiando em sol, labio vermelho!

Ciganos em Viagem

A tribo que prevê a sina dos viventes
Levantou arraiaes hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher', c'o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.

Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redrobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

LYRA XVI.

Eu, Glauceste, não duvido
Ser a tua Eulina amada
    Pastora formosa,
    Pastora engraçada.
Vejo a sua côr de rosa,
Vejo o seu olhar divino,
Vejo os seus purpùreos beiços,
Vejo o peito crystallino;
Nem ha cousa, que assemelhe
Ao crespo cabello louro.
Ah! que a tua Eulina vale,
Vale hum immenso thesouro!

Luz d'intima influencia

    Luz d'intima influencia,
    Oh fugitiva luz!
    Luz cuja eterna ausencia
    É minha eterna cruz.

    Podessem-te, ainda antes
    Do meu extremo adeus,
    Meus olhos fluctuantes
    Vêr lampejar nos céos.

    Se ainda n'esse espaço,
    Tão longe onde tu vás,
    Visse um reflexo baço
    Da pura luz que dás;

    Tornaram-se-me estrellas
    As lagrimas de dôr;
    E lagrimas são ellas...
    Sim, lagrimas d'amor!

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