LYRA XIX.

Em quanto pasta alegre o manso gado,
Minha bella Marilia, nos sentemos
Á sombra deste cedro levantado.
    Hum pouco meditemos
    Na regular belleza,
Que em tudo quanto vive, nos descobre
    A sabia Natureza.

  Attende, como aquella vaca preta
O novilhino seu dos mais separa,
E o lambe, em quanto chupa a liza teta.
    Attende mais, ó chara,
    Como a ruiva cadella
Supporta que lhe morda o filho o corpo;
    E salte em cima della.

CARTA: _Aconselhando a hum Cebelleireiro, que não continuasse a fazer Versos_.

Pois que o talento inquieto
Até em poezia provas,
E queres ás mais desgraças
Ajuntar desgraças novas;

Pois, que em galantes cantigas
Teu Rival puzeste razo,
E coroado de trovas
Vás entrando no Parnazo,

Quero em trovas avizar-te,
Que ha baixîos nesta barra;
Vou ser Prégador trovista,
Vou ser hum novo Bandarra;

A occupação de Poeta
He nobre por natureza;
Mas todo o Officio tem ossos,
E os deste são, a pobreza;

Em Ramos Tufados, Cheios...

Eram ramos tufados, cheios,
Olha, minha Amada, vê!
Deixa que te mostre os frutos
Dentro dos ouriços verdes.

Redondos, há muito pendem,
Calmos, fechados em si,
E um ramo a baloiçar
Os embala paciente.

Mas de dentro amadurece
E incha o fruto castanho;
Gostava de vir pra o ar
E de poder ver o sol.

A casca rebenta, e cai
Alegre pra o chão o fruto;
Tais minhas canções aos montes
Te vão cair no regaço.

Vossos Olhos, Senhora, que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas de vê-los se derretem.

Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisão, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.

Mentiras

Ai quem me dera uma feliz mentira
que fosse uma verdade para mim!
J. DANTAS

Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?

Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade...
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito...

Lusos Heróis, Cadáveres Cediços

Lusos heróis, cadáveres cediços,
Erguei-vos dentre o pó, sombras honradas,
Surgi, vinde exercer as mãos mirradas
Nestes vis, nestes cães, nestes mestiços.

Vinde salvar destes pardais castiços
As searas de arroz, por vós ganhadas;
Mas ah! Poupai-lhe as filhas delicadas,
Que. Elas culpa não têm, têm mil feitiços.

De pavor ante vós no chão se deite
Tanto fusco rajá, tanto nababo,
E as vossas ordens, trémulo, respeite.

Dispersão

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

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