A MÃE E A FILHA
Autor: Soares de Passos on Friday, 14 December 2012
Escrito em 20-6-1919.
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
E dai se teu bilhete de identidade afirma que tens mil anos?
E daí se teus olhos já não enxergam tão bem como ontem?
Se teus passos já não são tão firmes e a voz tão poderosa?
Olhe-me aquí dentro do meus olhos e com os teus
abraça-me...
Não vejo tua bengala
Não apalpo as batidas do teu coração exausto
Á luz delle foi talvez
	Que primeiro
	A bocca dum português
	Disse a palavra saudade...
	Luar de platina,
	Luar que allumia
	Mas que não aquece,
	Photographia
	D'alegre menina
	Que ha muitos annos já... envelhecesse.
	Luar de janeiro,
	O gelo tornado
	Luminosidade...
	Rosa sem cheiro,
	Amor passado
	De que ficasse apenas a amizade...
Ó pobres versos meus, lançae-vos pela estrada
	Agreste e pedregosa, aonde os companheiros
	Da luta, encontrareis, meus infimos guerreiros,
	Formando os batalhões da bellica avançada!
	E o trajo em desalinho, a face illuminada,
	Transponde, sem demora, os fossos derradeiros
	Que separam de nós os braços justiceiros
	Da serena Verdade, a Deusa idolatrada.
	Vencidos no combate, ou pouco ou nada importa.
	Ao chão vergae sem pena a faço semi-morta,
	Mordendo, inda a lutar, o pó da enorme liça:
Eu sou, mulher suave, aquelle antigo louco,
	O triste sonhador que o teu olhar cantou,
	E que hoje vae sentindo, o sonho, a pouco e pouco,
	Fugir como o luar d'um astro que expirou!
	Que morra, porque, emfim, bem longo elle tem sido
	E tempo é já, talvez, da Morte desposar
	O sonho que em minha alma entrou como um bandido
	E só da vida sae depois de me roubar!
	Eu devera amarral-o á braga do forçado,
	Como a Justiça faz aos despreziveis réos,
	E lançal-o depois á valla do passado
	Aonde o fulminasse a colera dos céos.
Tu que passas, descobre-te! Alli dorme
	      O forte que morreu.
	Dá ao martyr do Louvre algumas flores;
	      Dá pão ao seu lebreu.
	Da batalha era o dia. O canhão troa:
	E o livre corre á morte, e juncto delle
	      O seu cão vai:
	A mesma bala ambos feriu: o martyr
	Não deploreis: o amigo seu que vive
	      Só pranteai!
	Tristonho, sobre o forte elle se inclina,
	Affagando-o e gemendo; e a ver se acorda
	      Põe-se a latir;
	E do seu companheiro no combate
	Sobre o cadaver sanguinoso o pranto
Mastros quebrados, singro num mar d'Ouro
	Dormindo fôgo, incerto, longemente...
	Tudo se me igualou num sonho rente,
	E em metade de mim hoje só móro...
	São tristezas de bronze as que inda choro -
	Pilastras mortas, marmores ao Poente...
	Lagearam-se-me as ânsias brancamente
	Por claustros falsos onde nunca óro...
	Desci de mim. Dobrei o manto d'Astro,
	Quebrei a taça de cristal e espanto,
	Talhei em sombra o Oiro do meu rastro...
    Arida palma
	    Tem seu licôr,
	    Tem como a alma
	    Tem seu amor;
	    Tem como a hera
	    Tem seu abril,
	    Tem como a fera
	    Tem seu covil.
	    Tem toda a planta
	    Que o sol queimou
	    Lagrima santa
	    Que a orvalhou,
	    E o passarinho
	    Que hontem nasceu
	    Lá tem seu ninho
	    Que a mãi lhe deu.