Meto-me para dentro, e fecho a janela
Autor: Alberto Caeiro on Wednesday, 12 December 2012
Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
	Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
	Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
	Que a tempestade os leve aonde for!
	Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
	Que volte ao nada o nada de um momento!
	Julguei-me grande pelo sentimento,
	E pelo orgulho ainda sou maior!...
	Tanto verso já disse o que eu sonhei!
	Tantos penaram já o que eu penei!
	Asas que passam, todo o mundo as sente...
    O sol na marcha luminosa vôa
	    Lançando á terra magestoso olhar;
	    Passa cantando quem o ar povôa
	    E a praia abraça venturoso o mar.
	    No bosque o vento dôce canto entôa,
	    Ouvem-se em côro as multidões cantar;
	    Que a um só triste o coração lhe dôa,
	    Que eu seja o unico a soffrer, chorar...
	    Por ti, saudade... de quem vai tão perto
	    E a quem dos olhos e das mãos perdi
	    N'este tão ermo lugubre deserto!
Bradava um dia ao Christo, ao Redemptor,
	Satan, cançado d'insultar os astros:
	--Eis-te pendido ahi qual velha flor,
	Propheta escarnecido nos teus rastros!...
	Vê como a Egreja vae! baixel sem mastros!
	Navio roto em mares do Equador!
	E os seus padres tem ouros e alabastros,
	E folga, Messalina sem pudor!
	Tem lançado teu corpo aos cães e aos corvos!
	Falsificado a Lei, cheia d'estorvos,
	E fogueiras erguido, ó Christo! ó Cruz!...
Quando ella passa á minha porta,
	Magra, livida, quazi morta,
	E vae até á beira-mar,
	Labios brancos, olhos pizados:
	Meu coração dobra a finados,
	Meu coração poe-se a chorar...
	Perpassa leve como a folha,
	E suspirando, ás vezes, olha
	Para as gaivotas, para o Ar:
	E, assim, as suas pupillas negras
	Parecem duas toutinegras,
	Tentando as azas para voar!
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
	Tenho febre e escrevo.
	Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
	Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
_Ao mesmo Senhor em outro dia de annos_.
Neste venturozo Dia,
	Honrado, e honrador Marquez,
	Sempre eu vim a vossos pés
	Trazer a offerta em Poezia;
	Ante Vós a Lyra erguia
	Humilde, alegre, e casquilho;
	Mas hoje mudando o trilho,
	A bem, Senhor, me levai,
	Que sendo os annos do Pai,
	Dê a Colgadura ao Filho.
      O sol adormecera no horisonte;
	      As nuvens em retalhos somnolentos,
	      Parecem nos bisarros tons cinzentos
	      O grupo despenhado de Phaetonte.
	      O riacho deslisa ao pé do monte
	      Em frequentes e turgidos lamentos;
	      A philomela ensina o canto aos ventos
	      No chorão, que murmura junto á fonte.
	      A varzea rescende á larangeira!
	      Da cathedral nas frestas em ogiva
	      Um rancho d'andorinhas s'enfileira;