Uma coisa não é forçosamente verdadeira...
Autor: Oscar Wilde on Monday, 19 November 2012Uma coisa não é forçosamente verdadeira lá porque um homem morreu por ela.
Uma coisa não é forçosamente verdadeira lá porque um homem morreu por ela.
De um pequeno degrau dourado -, entre os cordões
de seda, os cinzentos véus de gaze, os veludos verdes
e os discos de cristal que enegrecem como bronze
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas
de prata, de olhos e de cabeleiras.
Peças de ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas,
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis
rodeiam a rosa d'água.
No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!
A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!
Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!
Na metade do Céu subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavam
O verde pasto as cabras, e buscavam
A frescura suave da água fria.
Com a folha das árvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O módulo cantar, de que cessavam,
Só nas roucas cigarras se sentia.
Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.
Porque te vás de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.
Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!
Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!
Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...
Jurou-me eterno amor. A noite ia cahindo.
E, entre outras phantasias,
Eu disse-lhe sorrindo:
Se Deus surgisse agora, aqui, perante nós
O que é que lhe dizias?
--Que nos deixasse sós...
E seguia a visão.--Do templo á esquerda,
Méstas as faces, inclinada a fronte,
Da noite as larvas tinham sobre o sólo
Fito o espantado olhar, e as dilatadas
Baças pupillas lhes tingia o susto.
Mas, como zona lucida de estrellas,
Nessa atmosphera crassa e afogueada
Pela espada rubente, refulgiam
Da direita os espiritos, banhado
De inenarravel placidez seu gesto.
Era inteiro o silencio, e no silencio
Uma voz resoou--Eleitos vinde!--
Ide precítos!»--Vacillava a terra,
Levanta-te Romeu do tumulo em que dormes
E vem sorrir de novo á boa, á eterna luz!
De noite, ouço dizer que ha sombras desconformes
E as noites do passado, oh, devem ser enormes
Na atonia fatal das larvas e da cruz!
Conchega gentilmente ao peito carcomido
Os restos do teu manto:--assim, que bem que estás!
Na terra hão de julgar-te um grande Aborrecido
Que busca desdenhoso o centro do ruido
Nas horas vis do tedio e das insonias más.
Todos vós que sois sinceros crentes,
Que oraes a Deus no intimo do peito,
Oh mysticos christãos;
Embora tenha crenças differentes
D'aquellas que seguis, eu vos respeito,
E julgo como irmãos!
Eu amo a Deus; depois a Humanidade;
Depois os bons, e d'estes o primeiro,
É Christo, o Redemptor!
Não sendo egual em tudo á Divindade,
É, como justo e homem verdadeiro,
Meu mestre e meu mentor!