Propriedade
Autor: Goethe on Thursday, 29 November 2012Sei que nada me é pertencente
	Além do livre pensamento
	Que da alma me quer brotar,
	E cada amigável momento
	Que um destino bem-querente
	A fundo me deixa gozar.
Sei que nada me é pertencente
	Além do livre pensamento
	Que da alma me quer brotar,
	E cada amigável momento
	Que um destino bem-querente
	A fundo me deixa gozar.
Quando será derrubada a infinita servidão da mulher, quando ela viverá para ela e por ela, o homem, - até agora abominável -, tendo-a despedida, ela será poeta, ela também!
	A mulher descobrirá o desconhecido! Seus mundos de idéias divergirão dos nossos? Ela encontrará coisas estranhas, insondáveis, repugnantes, deliciosas; nós as teremos, nós as entenderemos.
Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido
	Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
	Ao escrever o Só pensaste enternecido
	Que era o mais triste livro deste Portugal,
	Pensaste nos que liam esse teu missal,
	Tua bíblia de dor, teu chorar sentido
	Temeste que esse altar pudesse fazer mal
	Aos que comungam nele a soluçar contigo!
	Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
	Soluços que eu uni e que senti dispersos
	Por todo o livro triste! Achei teu coração...
Adamastor cruel! De teus furores
	Quantas vezes me lembro horrorizado!
	Ó monstro! Quantas vezes tens tragado
	Do soberbo Oriente os domadores!
	Parece-me que entregue a vis traidores
	Estou vendo Sepúlveda afamado,
	Co'a esposa e co'os filhinhos abraçado,
	Qual Mavorte com Vénus e os Amores.
	Parece-me que vejo o triste esposo,
	Perdida a tenra prole e a bela dama,
	Às garras dos leões correr furioso.
Eis o pedido simples que te indico,
	Se acaso o teu amor do meu partilha:
	Ama-me com o amor que eu te dedico
	E pensa em mim, como em ti penso, filha.
A música p'ra mim tem seduções de oceano!
	Quantas vezes procuro navegar,
	Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
	Minha pálida estrela a demandar!
	O peito saliente, os pulmões distendidos
	Como o rijo velame d'um navio,
	Intento desvendar os reinos escondidos
	Sob o manto da noite escuro e frio;
	Sinto vibrar em mim todas as comoções
	D'um navio que sulca o vasto mar;
	Chuvas temporaes, ciclones, convulsões
Volteiam dentro de mim,
	Em rodopio, em novelos,
	Milagres, uivos, castelos,
	Forcas de luz, pesadelos,
	Altas tôrres de marfim.
	Ascendem hélices, rastros...
	Mais longe coam-me sois;
	Há promontórios, farois,
	Upam-se estátuas de herois,
	Ondeiam lanças e mastros.
	Zebram-se armadas de côr,
	Singram cortejos de luz,
	Ruem-se braços de cruz,
	E um espelho reproduz,
	Em treva, todo o esplendor...
Eu gosto de velar a percorrer os mundos
	Ó noite dos bons canticos,
	Aos lividos clarões dos astros vagabundos
	Nos extasis romanticos,
	Emquanto a vil cidade, a cortesã devassa
	Dos falsos ouropeis,
	Com seus famintos cães, a sua lua baça
	E os seus negros bordeis,
	Resona torpemente aos beijos deleterios
	D'alguns velhos amantes;
	--Os longos hospitaes e os tristes cemiterios
	Que a afagam delirantes!
Eis a velha cidade! a cortesã devassa,
	A velha imperatriz da inercia e da cubiça,
	Que da torpeza acorda e á pressa corre á missa!
	Baixando o olhar incerto em frente de quem passa!
	Ella estreita no seio a velha populaça,
	Nas vis dissoluções da lama e da preguiça,
	E nunca o santo impulso, o grito da Justiça,
	Lhe fez estremecer a fibra inerte e lassa!
	E póde receber o beijo e a bofetada
	Sem que sinta o rubor da colera sagrada
	Acender-lhe na face as duas rosas bellas!