Ah! Querem uma luz melhor
Autor: Alberto Caeiro on Tuesday, 13 November 2012
AH! QUEREM uma luz melhor que
a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
AH! QUEREM uma luz melhor que
a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Mas porque sôa o vento?--Está deserto,
Silencioso ainda o sacro templo:
Nenhuma voz humana ainda recorda
Os hymnos do Senhor. A natureza
Foi a primeira em celebrar seu nome
Neste dia de lucto e de saudade!
Trévas da quarta feira eu vos saúdo!
Negras paredes, mudos monumentos
De todas essas orações de mágua,
De gratidão, de susto ou de esperança,
Depositadas ante vós nos dias
De fervorosa crença, a vós que enlucta
A solidão e o dó, venho eu saudar-vos.
A loucura da cruz não morreu toda
Eu bem sei que devia
Causar-te muito dó,
Em noite tão sombria
Vêres-me aqui tão só!...
Nem sei que sol m'alegra!
A sós com a minha cruz,
Sou como a nuvem negra
Que encerra muita luz!...
Como arvore sombria
Vergada sobre um val,
Assim vivo hoje em dia
Á sombra do Ideal...
Que eu tenho muita fome
De Justiça e d'Amor,
E aqui não ha quem tome
A serio a minha dôr...
Eu punha no teu labio a nota quente
A musica vibrante dos desejos,
Poisava-te no collo branco, ardente,
O poema rendilhado dos meus beijos.
Ao intimo contacto d'esses beijos,
Erguia-se em volutas de serpente
A curva delicada, alvinitente,
Das tuas fórmas, tremulas de pejos.
Senti então, allucinado e mudo,
O élo dos teus braços de velludo
Cingir-me contra a carne feiticeira.
E sobre o veu de gaze delicado,
Murchavam na capella do noivado
Os albentes botões da laranjeira...
A Luciano Cordeiro
O que é isto?
Nos tempos medivaes dos campeões andantes,
E das balladas como a do bom rei de Thule,
Andava D. Quichote em busca de gigantes,
Magro, tristonho, ideal, crente Fausto do Sul.
Batalhador juiz da Virtude e do Crime,
Defendendo o opprimido, a mulher, o ancião,
Corria o mundo assim, ridiculo e sublime,
Em seu magro corcel, sob arnez de cartão.
Depois da tua morte eu heide ver se arranco,
N'uma noite serena, ao teu berço final,
Um producto mimoso;--um grande lyrio branco
Da alvura do teu collo eburneo e divinal!
Aquella flôr suave, ó minha visão estherica,
Debruçada gentil, na taça em que a puzer,
Fazer-me-ha lembrar a graça cadaverica
Do teu corpo franzino e ethereo de mulher!
--Onde vaes tu, cavalleiro,
Pela noite sem luar?
Diz o vento viajeiro,
Ao lado d'elle a ventar...
Não responde o cavalleiro,
Que vae absorto a scismar.
--Onde vaes tu, torna o vento,
N'esse doido galopar?
Vaes bater a algum convento?
Eu ensino-te a rezar.
E a lua surge, um momento,
A lua, convento do Ar.
--Vaes levar uma mensagem?
Dá-m'a que eu vou-t'a entregar:
Irás em meia viagem
E eu já de volta hei-de estar.
E o cavalleiro, á passagem,
Faz as arvores vergar.
Marilia, teus olhos
São réos, e culpados,
Que soffra, e que beije
Os ferros pezados
De injusto Senhor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Mal vi o teu rosto,
O sangue gelou-se,
A lingoa prendeo-se,
Tremi, e mudou-se
Das faces a côr.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
A vista furtiva,
O risco imperfeito,
Fizerão a chaga,
Que abriste no peito
Mais funda, e maior.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Prestes, se inda na rocha de granito
D'onde em tempo me vias te sentares,
Não olhes para a terra ou para os mares,
Olha sim para o céo, que é lá que habito.
Lá tão longe de ti, mas não do terno,
Bondoso pai que os dois nos ha gerado,
Só para mágoas não, que bem guardado
Nos tem tambem no céo prazer eterno.
Não se é só pó no fim de tanta mágoa.
Senão, diga-me alguem que allivio é este
Que sinto, quando á abobada celeste
Alevanto os meus olhos rasos d'agua.
Um dia, não sei que eu tinha...
Uma tristeza tamanha!
E lembra-me ir á montanha,
Que temos aqui vizinha,
Onde em tempo me entretinha
Horas e horas sósinha
Quando ainda se não estranha
Que n'uma teia de aranha
Se prenda uma innocentinha,
Ou atraz d'uma avesinha
Se cance a vêr se a apanha.