Recebi no coração o golpe de misericórdia...
Autor: Rimbaud on Sunday, 25 November 2012Recebi no coração o golpe de misericórdia. Ah! Eu não o havia previsto.
Recebi no coração o golpe de misericórdia. Ah! Eu não o havia previsto.
Que vençais no Oriente tantos Reis,
	Que de novo nos deis da Índia o Estado,
	Que escureçais a fama que hão ganhado
	Aqueles que a ganharam de infiéis;
	Que vencidas tenhais da morte as leis,
	E que vencêsseis tudo, enfim, armado,
	Mais é vencer na Pátria, desarmado,
	Os monstros e as Quimeras que venceis.
	Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
	E por armas fazer que sem segundo
	No mundo o vosso nome ouvido seja;
Nessa tarde mimosa de saudade
	Em que eu te vi partir, ó meu amor,
	Levaste-me a minh'alma apaixonada
	Nas folhas perfumadas duma flor.
	E como a alma, dessa florzita,
	Que é minha, por ti palpita amante!
	Oh alma doce, pequenina e branca,
	Conserva o teu perfume estonteante!
	Quando fores velha, emurchecida e triste,
	Recorda ao meu amor, com teu perfume
	A paixão que deixou e qu'inda existe...
Só de ouro falso os meus olhos se douram;
	Sou esfinge sem mistério no poente.
	A tristeza das coisas que não foram
	Na minha'alma desceu veladamente.
	Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
	Gomos de luz em treva se misturam.
	As sombras que eu dimano não perduram,
	Como Ontem, para mim, Hoje é distancia.
	Já não estremeço em face do segredo;
	Nada me aloira já, nada me aterra:
	A vida corre sobre mim em guerra,
	E nem sequer um arrepio de mêdo!
      Trazidos pelo Amor, que por instantes,
	                  O veu ergue á Verdade,
	      Por nós á luz vieram, quaes prestantes
	                  Peões da Humanidade!...
	      Amor é quem dos ceus nos abre a porta,
	                  Nos deixa vêr o intuito
	      De Deus na Terra, e a elle nos transporta
	                  Da amante o olhar fortuito!
Como assim jaz e solitaria e quèda
	Esta cidade outr'ora populosa!
	Qual viuva ficou e tributaria
	      A senhora das gentes.
	Chorou durante a noite; em pranto as faces,
	Sósinha, entregue á dôr, nas penas suas
	Ninguem a consolou: os mais queridos
	      Contrarios se tornaram.
	Ermas as praças de Sião e as ruas,
	Cobre-as a verde relva: os sacerdotes
	Gemem; as virgens pallidas suspiram
	      Involtas na amargura.
	Dos filhos de Israel nas cavas faces
	Está pintada a macilenta fome;
Eu quiz hontem sonhar, sentir como um romantico
	A doce embriaguez do pallido luar,
	Ouvindo em pleno azul passar o immenso cantico
	Dos astros no seu giro e em sua luta o mar!
	A cidade dormia o somno dos devassos;
	Aquelle somno turvo, infecto e sensual:
	E a lua, antiga fada, erguia nos espaços
	Tranquilla e sempre ingenua a fronte de vestal!
_ODE TRIUNFAL_
	Á dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
	Tenho febre e escrevo.
	Escrevo rangendo os dentes, féra para a beleza disto,
	Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Creio que irei morrer.
Mas o sentido de morrer não me move,
Lembro-me que morrer não deve ter sentido.
Isto de viver e morrer são classificações como as das plantas.
Que folhas ou que flores têm uma classificação?
A Theophilo Braga
	Dizia o ouro á pedra;--Ente mesquinho!
	Que profundo scismar sempre te préga
	Á beira d'uma estrada, ou d'um caminho,
	Pasmada, mas sem ver, eterna cega?!
	Em vão o orvalho a ti te lava e rega!
	Em ti não cresce nunca pão, nem vinho,
	Dura e inutil--o lodo é teu visinho,
	E o homem só, por te pisar, t'emprega!
	Em ti só medra e cresce o cardo os lixos!
	Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bixos,
	E ensanguentas os pés descalços, nus!